Pelas Periferias do Brasil Vol.II

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FICHA TECNICA



É “nóis” na fita de novo !!!! Pelo segundo ano, tenho a satisfação de lançar uma coletânea de contos e poesias pela Suburbano Convicto Edições, de novo com apoio da Ong Ação Educativa. E olha só que loko: são 16 autores mais eu, de sete estados do Brasil (SP, RJ, MG, BA, DF, SC, ES). Um só livro, mais dezessete sonhadores que acreditaram no projeto e o tornaram realidade, fazendo “nóis” mesmos, mas muitíssimo bem feito. Temos até uma história em quadrinhos. A chapa esquenta mano, entre a coletânea anterior e esta são 28 autores de periferia (ou não, raras e justas exceções). Assim cresce nosso quilombo e ele fica mais forte. Um mês antes deste lançamento, lancei pela Aeroplano Editora, do Rio de Janeiro, minha quinta obra, intitulada “Favela Toma Conta”, que narra a minha trajetória, eu por mim mesmo. Olha o progresso, olha até onde nós chegamos. Imagine agora: o limite é o Mundo. Vou relembrar aqui, numa brincadeira, como conheci cada um dos autores deste livro. O Alexandre de Maio, que fez sua participação em quadrinhos além de diagramar e fazer a capa, é um dos meus maiores amigos no Hip-Hop. Trabalho há algum tempo com ele na Revista Rap Brasil e agora na Revista Cultura Hip-Hop. Ele é editor e eu repórter, às vezes colunista. Sempre que nos reunimos é o maior astral. Ele é o meu guru; fala uns baratos, eu vou, faço e dá certo. O Augusto eu conheci na Cooperifa, e o cara é a maior figura, colunista do meu blog, Literatura Periférica, que mantenho (www.literaturaperiferica.blogger.com.br). É muito extrovertido, trabalha numa grande livraria e gosta, assim como eu, de uma cervejinha. Du_Bod eu conheci na Ação Educativa. Antes não o via em nenhum outro rolê, mas era ir em qualquer um na Ação, que ele estava lá. Eu o vi recitar um texto longo, falando de vários artistas, achei muito inteligente. Um dia, ele falou: - Queria participar da sua coletânea, se você for lançar outra. E o Mandrake, do Site Rap Nacional? Amigo de vários rolês, a 11ª edição do meu Favela Toma Conta (evento) foi “ESPECIAL FAMÍLIA RAP NACIONAL”. Ele é um cara com quem várias vezes também me desentendi, mas sempre o que prevalece é a nossa amizade, que está acima de tudo. No site dele já divulguei várias paradas minhas e fui por anos colunista, ‘tamo’ junto. Hoje o Mandrake mora em Santa Catarina.


A Patricia Mattos, que hoje mora em Salvador, era de Brasília, onde, pela Universidade Federal do Distrito Federal, publicou numa revista/livro uma resenha do meu livro “Suburbano Convicto – O Cotidiano do Itaim Paulista”. Viramos amigos e ela corrigiu a versão independente do livro “Guerreira” na amizade. Grande amiga, hoje está aqui. Você lembra daquele ditado: - Estar no lugar errado, na hora errada. Agora, imagina o contrário. O Igor, do Espirito Santo, estava no lugar e na hora certa. Ele mandou dois textos muito bons querendo publicar em meu blog, mas além dos textos serem bons, nós só tinhamos autores de seis estados, e queríamos no minimo de sete, como no ano passado. Aí, eu o convidei e ele aceitou. O Fuzzil eu conheci porque ele é do Grupo de Rap “Os Guerreiros”, do Capão Redondo, e foi cantar no Favela Toma Conta. Depois, passamos a nos encontrar com mais freqüência no Sarau da Cooperifa. Ele é autor do Livro “Presente para o Gueto”, e gente boa até “umas horas”. Raquel de Almeida conheci depois. Antes, tive amizade com o marido dela, o Michel da Silva. Muito tempo de caminhada, ele comprou meus livros ainda quando morava em Curitiba, porque cursava faculdade lá. Depois o mano voltou para Pirituba, na Zona Oeste de São Paulo, e se casou com a Raquel Almeida, que virou sua aliada nos “corres” culturais. Eles criaram o Sarau “Elo da Corrente” e lançaram uma coletânea do Sarau, da qual eu fui um dos autores. Ela faz ainda o Blog www.elo-da-corrente.blogspot.com e participou do Livro “Cadernos Negros 30”. Canta no grupo “Alerta ao Sistema”, e vem com o Michel quase todo mês à Loja Suburbano Convicto. Jonilson Montalvão, dono do Sebo Mutante no Itaim Paulista, participou da Caros Amigos/Literatura Marginal Atos II e III. amigo de “mile anos” do Buzo, sempre incentivou o Buzo a ler, dando e emprestando livros. É fotógrafo e agitador cultural. Luiz Carlos Dumontt, do Rio de Janeiro, conheci quando ele entrou para ser articulador do Movimento Enraizados, dos meus amigos do Rio de Janeiro. Fui ao “ENCONTRÃO”, que na época era na rua da casa do Dudu de Morro Agudo, e vi o Dumontt para baixo e para cima, pela primeira vez. Com ele correndo, o Enraizados cresceu, se estruturou e ganhou prêmios, como o CULTURA VIVA 2007 (1º Lugar).


Grande figura; quando vou sem hotel para o Rio ele se joga para a casa da avó dele e me hospedo com a família na casa dele, com direito a Internet e Ypioca. Pita Araujo conheci este ano, quando ele locou uma sala no prédio da DGT Filmes (onde eu trampo). Cara de ‘mile anos’ do RAP, produziu grandes nomes e viramos amigos. MT Ton, do grupo de Rap mineiro “Realistas NPN”, e hoje ainda CUFA-BH, grande amigo. O grupo já cantou três vezes no Favela Toma Conta e me levaram duas vezes para palestras em Belo Horizonte. Uma vez demos muita risada... Passávamos pelo Parque Municipal, no centro de BH, quando vimos alguns casais no barquinho a remo. Automaticamente pensamos merda, tipo: - Antes de casar é barquinho a remo, depois: - Amor, vamos andar de barquinho? - Tá maluca mulher? Vai fazer o almoço! Puta piada machista, mas na hora rimos muito. Grande amigo de correria. Trutty eu conhecia de nome, do Grupo Spainy & Trutty, mas pessoalmente, só quando ele entrou para trabalhar no Marketing da marca Conduta, onde está até hoje. Eu era, e continuo sendo patrocinado pela Conduta, mas quando ele entrou quis me riscar da lista de patrocinados porque não me conhecia. Fiz um corre, descolei que ele era amigo do meu amigo DJ Fábio Rogério e liguei ‘brabo’: - E aí Fábio, qual é desse Trutty? Acaba que viramos amigos de verdade, daqueles de ele vir aqui em casa com a Leda (esposa) e eu e a Marilda irmos pro Jardim Brasil “serrar” um churrasco, famíli a mesmo. Dj Raffa e Aninha, que são um casal de Brasília, eu só conhecia de nome e de trombar rapidinho no Hutúz. Depois, o Mandrake indicou para o livro e mandei e-mail. Nos falamos na seqüência pessoalmente, na Conduta, e fechamos a participação dele e da esposa Aninha, do Grupo “Atitude Feminina”. O último, e não menos importante, é o Alexandre do Grupo de Rap “H2P”. Ele também trabalha na Conduta, e o conheci lá. Trampamos juntos em três edições do “Conduta na Rua”. Ele e seu grupo também cantaram no Favela Toma Conta.


E foi assim que conheci essa turma, e agora estamos eternizando nossa amizade com um livro, o primeiro de muitos deles, a seqüência da caminhada para outros. Muita saúde, paz e sucesso para todos os autores. E para você, que lê este livro, saiba que ele é um sonho coletivo. Alessandro Buzo Escritor, arte-educador e apresentador do Quadro “Buzão – Circular Periférico” no Programa Manos e Minas da TV Cultura. Organizador desta obra. alessandrobuzo@terra.com.br buzao@tvcultura.com.br www.suburbanoconvicto.blogger.com.br


Marilda Borges

Alessandro Buzo nasceu em São Paulo e desde sempre mora no bairro do Itaim Paulista, no extremo da Zona Leste. Casado há 10 anos com Marilda Borges, dessa união nasceu Evandro Borges, hoje com 8 anos. Se hoje é agitador cultural, escritor e mais um monte de coisas, é porque sempre se jogou de cabeça em tudo o que fez, seja para o bem ou para o mal (como na época em que usou cocaína). Já fez parte de torcida organizada (Mancha Verde do Palmeiras e como presidente da Leste Alvi-Verde), já foi baloeiro (equipe Lágrimas de Fogo) e trabalhou em diversas funções como empregado. Hoje apresenta o quadro “Buzão - Circular Periférico” no Programa Manos e Minas, apresentado pelo Rappin Hood, na TV Cultura. Lança a coletânea “Pelas Periferias do Brasil - Vol II”, que organiza com autores de sete Estados. Lançou há pouco seu quinto livro, intitulado “Favela Toma Conta” (Editora Aeroplano), em que narra sua trajetória. Trabalha na DGT Filmes (que produz o quadro Buzão) e tem uma loja de livros novos e usados, roupas, CDs e DVDs, chamada “Loja Suburbano Convicto”. Montou há quatro anos uma biblioteca, também chamada Suburbano Convicto, que funciona dentro da quadra da Escola de Samba Unidos de Santa Bárbara, no Itaim Paulista. Atualiza diariamente seu Blog e outras paginas na Internet. Gosta de Rap, Samba, Rock, Reggae, cerveja, bons restaurantes e de ficar com a família. Ama viajar e já foi a diversos Estados do Brasil como repórter ou palestrante. Segue o lema: “Nada Como Um Dia Após o Outro Dia” , título de um álbum dos Racionais MC’s. Mantém a Suburbano Convicto Produções, que promove os eventos “Favela Toma Conta”, “Suburbano no Centro” e “Encontro com o Autor”. Curte ler livros, e entre seus favoritos está Capitães de Areia, de Jorge Amado. Sobre o Itaim Paulista, costuma dizer: “Sou de um lugar distante, que talvez você nunca queira conhecer, mas é lá que me sinto bem, é onde escrevo meus livros e onde cresce meu filho”. Faltou alguma coisa? Ah! sim, é completamente apaixonado pela Marilda Borges. Seu maior exemplo de vida se chama Luzia Buzo, que Deus a tenha em um bom lugar.

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A TV QUE NÃO EDUCA. PIOR, ALIENA. Depois do texto “Acorda Brasil!!!”, que foi publicado exclusivamente no site da Caros Amigos, e da repercussão que deu, recebi muitos e-mails. Resolvi que me aprofundaria mais no tema, e é isso que você lê agora, aqui nas páginas desta coletânea, que tem 16 autores de 7 estados e não consegue a mídia que uma atriz global na praia do Leblon consegue. Pois bem, nosso tema é a alienação do povo através da TV. Quero deixar bem claro que não sou daqueles que quando fala em TV, se refere a Rede Globo de Televisão, a numero 1. Acho que a programação é ruim em todos os canais abertos, e em outros pagos também. A “única” que se salva na TV aberta, com certeza é a TV Cultura, e se olharmos pela audiência, vemos o quanto ela é popular no Brasil. Uma pena que não seja. E quero deixar bem claro que não estou falando isso porque estou com o quadro “Buzão – Circular Periférico” no Programa Manos e Minas (toda quarta 19h30 na Cultura), falo isso porque é mesmo a única que se salva. Vamos às questões que abordei no primeiro texto (www.carosamigos.com.br) e falar um pouco mais sobre o assunto: Futebol mercenário. Não tenho medo e nem vergonha do meu passado, já fui integrante da Mancha Verde e até presidente da extinta LESTE ALVIVERDE, mas passou. Conforme evolui culturalmente através dos livros, vi como era inútil me matar por causa do Palmeiras, mas continuo torcendo por ele. Tem coisas na vida que não mudam, e torcer por um time é uma delas. Mas hoje, dificilmente iria a um jogo. Não vou há anos, e se fosse, seria a um jogo comum, contra qualquer time do interior, nunca um clássico (mas repito, já vi ao vivo vários). Não dá mais para gastar tempo e dinheiro com um futebol totalmente mercenário, sem amor à camisa. Os jogadores não tem mais identificação com o clube, como o Zico no Flamengo, Roberto Dinamite no Vasco, Ademir da Guia no Palmeiras e por aí vai. Hoje o que vale é a grana. O cara beija hoje a camisa do Atlético Mineiro, e se pagar mais, ele beija amanhã a do Cruzeiro. Já viu uma entrevista do atual técnico do São Paulo, Sr. Muricy Ramalho? Não sei como pode a imprensa ainda falar com ele. O cara é mal-humorado, mal-educado e fica peitando os jornalistas, fazendo piada, falando pela metade. Inacreditável como alguém consegue

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assistir a tamanha falta de respeito com o torcedor e o espectador. Outro assim é o Leão, atual técnico do Santos. Aquelas mesas redondas intermináveis no domingo à noite, repetindo a mesma coisa por horas, não dá mais para mim. Mas cada um faz o que quer com seu tempo. E na música? Pense em dez nomes que aparecem direto na TV. É fácil... Vou pensar dez agora mesmo: Latino, Bruno e Marrone, Sandy & Junior, Kelly Key, Zezé Di Camargo e Luciano, Daniel, Babado Novo, Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Harmonia do Samba. Dez é fácil, vinte, um pouco mais dificil, e 30 já é muito dificil, porque são sempre os mesmos enlatados que aparecem, e artistas inofensivos ao sistema, aqueles que cantam o que convém aos poderosos e que milhões de brasileiros assistem. Fora o G-20, que vai sempre. São aqueles que investem pesado na moda do momento, que aparecem muito e depois somem, como centenas de grupos de pagodeiros e samba ‘mela-cueca’. Reginaldo Rossi antes, o “CREU” agora, e por aí vai. Interessa aos poderosos que comandam as TVs, Revistas, Jornais e principais Sites, que a massa curta: - Seu guarda eu não sou vagabundo, não sou delinquente... eu dormi na praça, pensando nela! Interessa que o CD “Sem Noção” do Latino, toque, e que ele, sorridente, vá a vários programas, porque sua música alienante, não pega nada que milhões escutem. Músicos de qualidade, como Cordel do Fogo Encantado, Arnaldo Antunes, Chico César, Seu Jorge e tantos outros, músicas de protesto como o Rap Nacional, não interessam. Porque o povo vai pensar, e pensar não é bom. Quem pensa, contesta. Quem ouve Wanessa Camargo não contesta nada. Quem assiste BBB não contesta nada, fica literalmente de chapéu atolado. Mas sei que vou comprar briga com esse texto, porque são milhões que assistem e gostam. Porque programas educativos como o AÇÃO, na Globo, passa às 6 horas da manhã? Só para o canal poder falar que tem um programa bom, mesmo passando quando todos estão dormindo? Escritores da periferia, como eu, lançam seus livros e não saem em nenhum telejornal, não vão aos programas da tarde, nem têm destaque no jornal, porque é melhor falar de Paulo Coelho e seus magos. Falando em mago, melhor falar do Harry Pother. Alessandro Buzo, Ferréz, Sérgio Vaz, Sacolinha... Esses manos não, porque dão pano pra manga e fazem a auto-estima da periferia subir, e isso não interessa para a elite.

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Por que meia pagina do novo livro do “Buzo”, lançado pela Global Editora para todo o Brasil, se no lugar pode entrar uma matéria sobre o BBB, que é o que interessa para o povo ler. Temos que exigir mais cinema nacional na TV, porque hoje se lançam filmes todo mês, e não tem mais porque só passar os enlatados americanos. De novo digo, que há vinte anos eu assistia Stallone, Duro de Matar etc. Hoje, vejo filmes brasileiros e um ou outro gringo, como Hotel Ruanda, por exemplo. O povo não tem grana para cinema, teatro, shows. São 8, 9, 10 horas de expediente e outras na condução. Chegando na periferia, o cara só quer saber de bar, TV e cama. Por isso que em cada esquina da perifa tem um bar ou uma igreja, aliás, elas, “as igrejas”, estão aceitando até cartão de débito e crédito. Por que eu, morador da periferia, Itaim Paulista, no extremo Leste de São Paulo, não sou mais um que aceita o que o sistema impõe via mídia? Te respondo: Porque leio muito, e ainda por causa do Hip-Hop. A literatura, literalmente me salvou. Escrevi e publiquei cinco livros, organizei mais um e participei de outros dois. Ao todo são oito livros em que estou envolvido diretamente, fora outros dois, em que escrevi o prefácio. Estou com um livro de contos pronto e escrevendo meu novo romance, “Profissão MC”. Tudo isso me livrou da TV, hoje quase não assisto nada, além dos telejornais, que a cada dia colocam mais medo na população porque só mostram tráfico, assaltos e mortes. O povo fica com medo até de sair na rua, passam longe de qualquer favela. Para não gerar esse medo, teria que revesar com matérias sobre cultura. Veríamos que mesmo existindo vários Bin Ladens por aí, tem também vários Don Quixotes, vários guerreiros que ainda fazem pelo próximo, que ainda pensam em passar algo de bom para as crianças e os jovens. Porque só a cultura, a educação, o esporte e o lazer, são capazes de combater a violência. Empresas gastam milhões em segurança e nada em social, cultural. Acredite. Estou agora no Bixiga escrevendo este texto e passou um carro ouvindo CREU no último volume na Rua Santo Antônio. Sábado, chegava de um evento que organizei com duas bandas em um SEBO na Liberdade (1º Suburbano no Centro), e também passou um carro tocando bem alto o CREU.

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Tem um funk, que não sei de quem é, que diz: - Prosti, prosti, prostituta... Outro que diz: - Pega lá, pega lá, pega lá, farinha pra ‘nóis’ cheirar... E o povo ouve isso, consome. Não é só adulto não, jovens e crianças também ouvem e dançam. Fui levar meu filho hoje na escola (municipal, no Itaim Paulista) e uma lotação que faz final ali tocava alto: - Empina, empina, empina a bundinha... Uma mulher, próximo à minha loja, contou que estava com sono porque ficou até tarde com a neta, que queria ver o BBB. Ama o Rafinha, segundo ela me relatou. Detalhe: a neta dela tem quatro anos. Tínhamos que fazer uma campanha de conscientização, para o povo acordar (como dizia meu texto no site “Acorda Brasil”), mas para se fazer uma campanha, precisa de grana, e quem tem grana não está nem aí se a periferia é alienada, assim, fica mais fácil se manter no poder. Onde iríamos divulgar essa campanha? Nas TVs, Rádios, Jornais, Revistas? Como, se cinco famílias dominam quase tudo que é veículo de comunicação no país? Como, se hoje eu estava no trem da Zona Leste de São Paulo, na precária LINHA F da CPTM, e uma mulher lia a Revista CARAS? Se é isso mesmo que o povão quer, a maioria quer enlatados, BBB, novelas e futebol. Se com quatro anos assiste BBB, o que vai assistir com 14, 15 anos? Se o que importa é o próximo capítulo da novela, quem foi para o paredão, quem venceu a última rodada do Paulistão, Carioca, Mineiro, Gaúcho? Se deu Bahia ou Vitória, Goiás ou Vila Nova, furacão ou coxa? O São Paulo empatou ontem em 2x2 com o Noroeste no Morumbi, depois de estar vencendo por 2x0. Aí, se faz uma entrevista exclusiva com o técnico Muricy Ramalho e ele trata todo mundo mal, xinga, reclama. Imagina se esse tempo gasto com futebol na TV fosse usado para programas educativos. Mas vivemos no país do futebol e das celebridades artificiais, umas minas peitudas que se dizem modelos sem nunca terem estado numa passarela, sem fazer um ensaio fotográfico. Deu para o Ronaldinho, o Romário ou o Edmundo, e viram modelos. Temos que dar um basta, mas não sei se um dia o povo vai acordar para as coisas que falei aqui, pois é mais fácil beber uma pinga, jogar uma pelada e entrar no ORKUT.

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Eu, não! Aqui a mídia não fez mais um refém e muito menos acredito que a revolução será televisionada, mas se a guerra estourar e o debate for para a rua, sei muito bem de que lado vou estar. Alessandro Buzo é escritor www.suburbanoconvicto.blogger.com.br alessandrobuzo@terra.com.br *Seu ultimo livro, “Guerreira”, está nas livrarias de todo o país.

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Alexandre Simões está ligado à cultura Hip-Hop há cerca de 16 anos. Hoje é um dos MCs do grupo H2P; é músico cantor e instrumentista, produtor musical e produtor de vídeos. Ator, apresentador de televisão e idealizador do Portal de Internet “Mundo da Rua”, que no ano de 2008 completa oito anos. Construiu uma série de projetos sociais ligados ao Hip-Hop, como o “Invasão Hip-Hop”, “Pela Paz” e o “Hip-Hop faz Escola”. É arte-educador e palestrante. Um dos criadores e idealizadores da produtora Fábrica de Rima, que hoje atua com um quadro de artistas de renome nacional e internacional.


Revolução Humana Um texto inspirado nos pensamentos de Daisaku Ikeda “A grandiosa Revolução Humana de uma única pessoa irá um dia impulsionar a mudança total do destino de um país e, além disso, será capaz de transformar o destino de toda a humanidade.” (Daisaku Ikeda – Filósofo, Pacifista e Humanista)

Já são seis horas da manhã, hora de levantar. Enquanto o rádio relógio continua a apitar, a movimentação na cidade já é absurdamente grande. Banho quente para aquecer o corpo frio, resultado da baixa temperatura da madrugada. Café na chaleira velha e pãozinho do dia anterior são o que preenchem o estomago para iniciar a jornada diária. É o trem, é a plataforma, são as pessoas. Uma rotina, mas que também muda, basta observar. O que parece entediar, é como uma inspiração para continuar nessa jornada. Mas o salário continua baixo; a esperança de melhorar existe, mas se confunde com a falta de direção. A máquina de escrever interfere nos pensamentos, um toque, toque, toque, que não deixa ninguém pensar. Gritos e sussurros; uma música que fala do céu, mas nos leva ao inferno. Sobreviver nesse estado caótico é uma missão de um super-herói, e ainda cultiva-se a esperança. Ser derrotado, a essa altura, é algo que ninguém deseja. Em meio às dificuldades é o momento de desenvolver o verdadeiro ser humano e fazer a revolução humana, isto é humanismo. Uma inspiração, uma referência, isso pode ser definitivo na vida das pessoas ao redor. Todos anseiam pela mudança, mas poucas vezes isso ocorre. O comodismo é algo que interfere e a esperança é de que algo aconteça, o inesperado, a salvação. Estamos condicionados muitas vezes a esperar, quando precisamos superar. Isso é algo maior, que só vem com o tempo. Os seres humanos possuem objetivos inerentes em suas vidas. Cada pessoa, em sua realidade, cultiva seus sonhos, mas o que motiva as pessoas a continuarem lutando nem sempre são sonhos, e sim a necessidade de sobreviver.

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O esforço vale a pena e a vitória é a referência de que tudo só depende do próprio esforço. A dificuldade é um trampolim para o amadurecimento e para transformar o irreal em real. A forma de pensar e de agir é a mudança, o comportamento interfere na família e nas pessoas ao redor. Tudo começa no ser humano, tudo começa na própria transformação, na minha mudança.

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Sempre Avante O tempo passa e não pode parar Mesmo que o seu relógio cuco venha a quebrar A vida continua, o pensamento é realista Rimas que indicam uma vida positiva Hip-Hop, Rap, meu futuro é o resultado Vou me desenvolvendo, adiantando o meu lado Insista, persista, esse é o caminho Como um passarinho que constrói o seu ninho Estudando, aprendendo e me informando Os meus caminhos vou sempre desbravando A humildade é o ponto de partida Só assim vencerei minhas corridas Sempre avante A vitória conquistada A cada instante Um passo em nossa vida Cada dia é importante Erguendo tijolo por tijolo Não aja como um tolo Fortaleça o coração Mãos à obra em ação Aumentando a razão Acredite na vitória E vencerá Crie a própria história A caminhar “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer” Alcançará a vitória No primeiro alvorecer A luta agora é sua, fortaleça a corrente O jogo é agora, siga sempre em frente

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Sempre avante A vitória conquistada A cada instante Um passo em nossa vida Cada dia é importante Neste instante A força e a paixão Que me levam sempre avante A mente e o coração Do reflexo a ação Sempre a passos largos O caminho que eu traço Vivendo a vida repleta de emoção A luta garantida A vitória sempre certa Na vida só alcança Quem corre e não espera Erguendo seu castelo A vida, a nova era Sempre avante A vitória conquistada A cada instante Um passo em nossa vida Cada dia é importante

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ANA CECÍLIA DOS SANTOS TEIXEIRA, mais conhecida como Aninha, começou em 1996 trabalhando com jovens envolvidos com gangues, drogas e violência doméstica em São Sebastião, cidade satélite de Brasília. Depois, de 1996 a 2000 trabalhou com jovens envolvidos com o crime na FEBEM (atualmente CAJE) até que entra para o grupo de Rap Atitude Feminina, onde a violência doméstica se tornou o tema principal do grupo, como na música “De que vale o Crime”. De 2000 a 2003 continuou os trabalhos com mulheres afro-descendentes sobre violência doméstica e sexualidade, em parceria com a ONG 100 Dimensões. Também fez muitas palestra em shows, em diversas regiões. Foi uma das coordenadoras da 5ª edição do “Abril Pro Rap”; em 2005 ganha com a música “Rosas”, o Prêmio Hutúz de “Melhor Demo Feminina”. Em 2006 desenvolve o Projeto Crescer, utilizando a linguagem do Hip-Hop na recuperação de jovens envolvidas com prostituição, gangues e drogas e ao lado do DJ Raffa, o 1º Festival Hip-Hop do Cerrado. em 2006 ganha o Prêmio Hutúz “Grupo Revelação”. Participa, junto com o seu grupo, do documentário “Em Comum” do Canal Futura, em parceria com o Grupo Cultural AfroReggae Em 2007, além de várias atividades é idealizadora e Coordenadora do 1º Seminário de Hip-Hop do DF e Entorno, coordena o 2º Festival de Hip-Hop do Cerrado, participa do Fórum de Mulheres (Salvador, BA) e faz palestras e shows em Fortaleza Nesse ano é coordenadora de Centro do Projeto Trilhas da Juventude, que trabalha com 100 Jovens escolhidos da comunidade de São Sebastião durante cinco meses, preparando-os para o seu primeiro emprego. Também se apresentou no Rio de Janeiro, no Teatro Carlos Gomes, pelo evento “Mostra Brasil Juventude Transformando com Arte”.


Se recebessemos Flores, em vez de socos Como eu gostaria que hoje fosse um dia especial, daqueles em que recebemos flores de quem achamos que nos ama. Mas tivemos o nosso primeiro desentendimento, logo após uma cena de ciúmes desnecessária. Chegando em casa, ele me disse tantas coisas feias que me ofenderam de verdade, e me fizeram pensar e acreditar que eu era culpada, mesmo não tendo feito nada. Era o assédio dos amigos que o incomodava. Nunca dei motivo para desconfiança! Mas no fundo do meu coração, sempre achei que ele havia se arrependido e que não era sério, que aquele momento havia passado e tudo não passava de uma briga à toa. Como eu gostaria que hoje fosse um dia especial. Ontem ele me empurrou contra a parede e começou a me enforcar. Parecia que não queria parar, e comecei a ficar sem ar. Naquele momento achei que era um sonho, um daqueles pesadelos que quando acordamos, sabemos que não é real. Mais quando acordei, cheia de hematomas, cheia de marcas por todos os lados, o sonho havia se tornado realidade. Mas no fundo do meu coração sempre achei que ele havia se arrependido. Afinal, acordou me dando muito carinho. Como eu gostaria que hoje fosse um dia especial... Ontem à noite ele me bateu! De morte me ameaçou! Mais uma vez me enforcou! Agora, nem a maquiagem, nem os vestidos e nem as saias compridas, poderiam ocultar as marcas da violência causadas pelas drogas, pela bebida, pela ignorância. Não pude sair para a rua porque não queria que soubessem. Tinha vergonha de mim mesma, tinha medo, muito medo. Mas no fundo do meu coração sempre achei que ele havia se arrependido. Afinal, acordou me pedindo desculpas, jurando mudar os seus atos. Como eu gostaria que hoje fosse um dia especial. Mais uma vez ele me bateu, me espancou, me enforcou! Mas desta vez foi muito pior. O que é que eu vou fazer? Devo denunciá-lo? Como poderia manter os meus filhos sozinha? Eu sou dona de casa, não trabalho, não tenho dinheiro! Tenho tanto medo dele! Mas dependo tanto dele!

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Mas no fundo do meu coração, sempre achei que ele havia se arrependido. Afinal, me levou flores. Hoje é um dia muito especial, é o dia do meu funeral. Porque não pedi ajuda profissional? Se ao menos tivesse tido a coragem e a força para denunciálo, eu não estaria agora enterrada no cemitério! Quem ama não mata, não humilha e não maltrata!

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Augusto, 30 anos. Na cabeça muitos planos. Pai de Davi e Ágata, riquezas que nenhum magnata juntaria numa vida inteirinha. Já escrevia umas linhas antes da Cooperifa. Mas só quando chegou lá, quatro anos atrás, sua letra ganhou vida. Mangueia no editorial. Vende livro pro povo, e acha muito legal Na arte, Gaudi e gibi. Na música, Carlos Imperial e Mano Chau Na literatura, Jorge Amado e Sacola Pós Graduado Na vida, elegia e ousadia. Ja é!


Sem Sinal Almerindo acordou um pouco mais cedo aquele dia. Levantou com cuidado para não acordar sua Preta e se enfiou lá no banheiro. Cagou, se escovou e foi tomar seu café. Na mesa, esperando a cafeteira velha passar o pó, devaneou para as possibilidades que lhe poderiam ser abertas naquele dia. Essa geladeira mesmo, cheia de conta pregada, vai rodar. Tomou só o café, pôs o sapato no pé e ganhou a rua. Desceu pela via já movimentada pelo povo, que segue para o trabalho às 07:45. Acendeu um cigarro quando já ia chegando no ponto, e lá sorveu sua nicotina, sem o Bandeira passar. Quando veio, conseguiu subir. Não passou a catraca, ficou ali em pé observando cada rosto dentro do ônibus. E não eram poucos. Atentou-se especialmente a uma senhora de uns 50 e poucos anos, em pé, lá no fundão. Poderia ter menos. Cheia de sacola, era ambulante. E ela ali carregando sua mercadoria, pesada como a vida. Almerindo formulou uma vida toda pra tiazinha, mas esbarrou nas dúvidas que fariam com que ela não estivesse dentro desse busão lotado agora. Onde estavam seus pais? Seus filhos? O marido que deveria dar-lhe uma vida estável para que ela não estivesse aqui, camelando? Ficou ‘puto’ com a tiazinha. Teve a impressão de que ela era uma pessoa insuportável! Na altura da Ibirapuera, livrou um lugar. Preferiu continuar em pé. Não ia trabalhar mesmo aquele dia. Iria andar pela cidade atrás de um sinal, uma certeza, sei lá. Desceu no final, e já subindo as escadas rolantes, resolveu que iria dar um rolê no Anhangabaú. Almerindo, que não queria fazer nada hoje, só bater perna, achou o lugar aprazível para sentar e continuar com suas análises faciais. Sentou ali no jardim da São Bento e ficou vendo o povo passar. Viu o empresario, o oficce-boy e a vendedora. Foi obrigado a ver também a puta. Não mais de 30 anos, com peso de 60. Lembrou da tiazinha do buzão e pensou também nos pais da puta. Ficou ansioso, sem saber. Quis sair dali, e saiu. Entrou pela direita e andou até a Florêncio. Ia dar uma olhada nos equipamentos de seu possível açougue. Almerindo era açougueiro, dos bons. Desde menino na pecuária. Em São Paulo, fez carreira como açougueiro no Eldorado.

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O empresário comprou a rede e ele foi dispensado. Desde então, só bicos nos açougues da quebrada. Salário, uma merda. Os dois filhos necessitados. Há meses não pingava um trampo para fazer, e só sabia fazer aquilo. Não teve muito ânimo para fazer pesquisa de preços, essa atividade tomaria seu tempo e sua atenção. Isso não podia acontecer! Estava atrás do Sinal. Virou à esquerda e se viu perto da Estação da Luz. Lugarzinho deprimente! Bem lembrou quando desembarcou na rodoviária velha e seu primeiro contato com São Paulo foi a velha Estação. Já existia toda aquela fauna que por ali circulava. Se misturou às dezenas de pessoas que entravam no prédio e ficou debruçado na passarela interior da Estação, vendo o vai-e-vem dos trens. Pensou em D. Regina. Tocou o molho de chaves no bolso da calça e lembrou de seus meninos e do Sinal. Olhou para o teto da Estação e deu um grito alto, gutural: - ”Ahhhhhh!”. Nem foi percebido. Afora umas duas mulheres que se desviaram dele, no momento exato do grito. No mais, tudo seguia como há minutos atrás. E Almerindo se foi. Pagou a passagem e pegou o trem rumo à Estação Estudantes, em Mogi. Lá descendo, comeu numa lanchonete perto da estação e pegou o ônibus que tinha o nome anotado em um papel, junto com um endereço e a data de hoje. Desceu num lugar meio ermo; via-se que por ali existiam muitas chácaras. Estava indo a uma específica. Andou pelas ruas de terra até o endereço que tinha decorado. Sacou o molho de chaves, abriu o grande portão e adentrou a propriedade. Tinha também a chave da casa, que estava em total silêncio quando ele fechou a porta atrás de si. Era uma casa enorme, para aqueles cafundós. Subiu as escadas e falou num tom baixo: - ”Dona Regina...”. A resposta veio de um dos quartos: - ”Aqui”. Entrou no recinto suando frio e viu a velha senhora deitada na cama. Muito abatida pelo cancêr de cólon, drenando sua vida aos poucos. As altas doses de morfina já não lhe atenuavam as dores. Sem olhar para Almerindo, a velha senhora falou: - ”Você veio!” - ”Bem à contragosto! Rezei a Deus por um sinal que me dissuadisse dessa situação.” - ”Eu rezei bem mais que você, Almerindo. Coma alguma coisa na cozinha...” - ”Ja comi.”

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- ”Você não tocou em nada da casa, né? - ”Não.” Almerindo olhou para D. Regina e cogitou estar naquela situação um dia. Se fosse hoje, morreria à míngua, em casa mesmo, sem dinheiro para remédio ou para os devidos cuidados que aquela doença pedia. O que pedia aquela doença? - ”Então? Vamos?”, disse a velha senhora num fio de voz. - ”Vamos!” - ”Está tudo ali, dentro daquele armário. Não esqueça as luvas”. - ”Já estou com elas”. Almerindo abriu a porta do móvel e lá estava uma pistola 765 com silenciador e uma grande sacola com os noventa mil reais em dinheiro que tanto lhe afligira. Não mais naquele momento. Pegou a arma e disparou três vezes no peito da velha senhora ali deitada. Botou a ferramenta dentro da bolsa de dinheiro, desceu as escadas e saiu da chácara chorando.

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MIN’ALMAGONIA Dificil achar é a calma nas periferias da min’alma. Alma tão temente a Deus Que se aquece no calor dos meus Se mostra assim tão confusa, até clamando por ser salva. Mas o que poderia salvar uma coisa tão etérea? Talvez, uma vontade férrea; um amor, uma ambição? Talvez uma igreja evangélica! Pois idéias maquiavélicas Eu as tenho de montão. São idéias nada agradáveis que pululam o meu coração quando vejo algumas notícias que aparecem na televisão: “Senador desvia dinheiro que era para a educação!” Nessa terra sem alma tem umas coisas deprimentes. Nêgo vai pra cadeia por roubar pasta de dente. Crianças se prostituindo por causa de um pai ausente. E eu também de deprê... Afligido pela dor Me imagino com o pai ausente, o Delegado e o Senador, ordenando que os três entrem num grande incinerador.

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Más a saída será essa? Dente por dente, Olho por olho? Eu que sou gato escaldado até de bigode ‘di moio’, ‘num devo tomá’ cuidado com os caminho que eu escolho? Em min’alma atormentada de grandes periferias existe uma rua fria e escura E igualmente a minha carteira vazia. É nela que eu vou buscar alento pra minha agonia. Lá transmuto minha revolta em letras em poesia

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Em 1982, Raffa dançava Break nas ruas do DF, em 84, já fazia pequenas montagens, para que os grupos de Break pudessem se apresentar. Dois anos depois formou a Equipe de Som “Enigma” e, paralelamente, começou a trabalhar como DJ e como operador em Rádios Em 1988 já era técnico de gravação; no ano seguinte se formou como Engenheiro de Som no “Recording Workshop”, em Ohio, Estados Unidos e no mesmo ano, lança o primeiro disco de Rap Nacional do DF. Em 1990 lança no mercado várias produções; um ano depois, o grupo Magrellos lança um disco pela Sony Music, tendo elogios da imprensa de todo o país pela qualidade de seu trabalho como produtor. Em 1992 forma, juntamente com Marcão, o grupo “Baseado nas Ruas” e se muda para São Paulo. Acaba se tornando um dos Produtores de Rap Nacional mais solicitado. Em 2000 lança o seu primeiro CD solo, de produção instrumental. Em 2002 fez um trabalho social voluntário no presídio da Papuda. No início de 2003 lança uma coletânea comemorativa de 20 anos de Hip-Hop; em 2006, implanta no Projeto Crescer o nucleo de Hip-Hop. Em 2007 lança a coletânea Conhecimento Súbito. Foi durante dois anos professor de Nocões de Audio e Acústica e Oficinas de Gravação da EMB (Escola de Música de Brasilia). Atualmente faz produções e shows com o grupo de percussão Patubatê em todo o Brasil e no exterior, além de coordenar o estúdio de música eletrônica do Grupo Cultural AfroReggae. Estão na sua lista de produções os seguintes grupos: MV Bill, Consciência Humana, De Menos Crime, U Negro, FDS, Sistema Central, Gog, Sistema Negro, PMC, Visão de Rua, Comando DMC, Geração Rap, Duck Jam e Nação Hip-Hop, Produto da Rua, Filosofia de Rua, N de Naldinho, Guindart 121, Sociedade Anônima, CXA, Câmbio Negro, Cirurgia Moral, Código Penal, Álibi, Jamaika, Kaballa, Provérbio X, A Entidade, Verdade Relatada, Relato Bíblico, El Patito Feo, Voz sem Medo, Visão de Rua, Viela 17, Versos ao Verbo, Dino Black, Ameaça Urbana, Magrellos, Baseado nas Ruas, Sabotage, X, Condenação Brutal, Stillo Radical, Atitude Feminina, Dina Di, JC MC, Re.Fem, Livre Ameaça, Nathy Farias, Moleque Doido, ED Blue, Irmandade Negra, Tribo do Guetto, Banka de K, Angel Duarte (Ídolos, SBT), Kátia Pinheiro, Davi Reis, entre outros.


O QUE É HIP-HOP PRA VOCÊ? O que é Hip-Hop para você? É uma pergunta que venho fazendo para mim mesmo. Mas gostaria de perguntar para várias pessoas, porque depois de 25 anos me dedicando a essa cultura, com certeza já encontrei o meu papel dentro dela. Eu encontro, na própria “net”, uma infinidade de respostas e opiniões das mais variadas. É incrível como de repente todos sabem o seu significado e são “experts” no assunto. O pior é que na maioria das vezes são pessoas que vivem o Hip-Hop virtual. Escrevem colunas, fazem entrevistas e matérias, mas na verdade nem sabem a verdadeira essência desse movimento cultural que veio das ruas. Fazem reuniões, fóruns, encontros, eventos etc. Mas será que eles vivem e respiram Hip-Hop? Alguns dizem que são simpatizantes, outros dizem que são colaboradores. E não posso me esquecer dos militantes. Tenho certeza de que dentro desses exemplos existem os verdadeiros, e por isso não quero generalizar. Mas a ideologia, só no papel, no palco ou no computador, não é a mesma coisa quando realmente se vive dela. São apenas momentos que passam, mas não ficam quando só se escreve, só se discute ou só se fala dela. Lamentável é subir no palco, dizer que é revolucionário cantando em cima de alguma base “gringa”, se vestir igual a eles e depois fumar maconha e beber até cair! Então, surgem as perguntas: Será que realmente fizeram alguma coisa pela sua comunidade? Será que realmente fizeram alguma mudança de vida? Sua própria, ou de alguém? Será que realmente fizeram algum projeto que não ficasse só em uma simples Palestra ou Oficina, mas um projeto de continuidade, que realmente pudesse dar esperança de mudança para quem precisa? Eu sei que o Rap é poesia, o Break é dança, o DJ faz música e o Grafitti é artes plásticas, e que tudo isso é Hip-Hop, mas também é entretenimento! Palavra difícil, não acha? Só que entretenimento sem responsabilidade social, em um país cheio de desigualdades onde jovens são submetidos a todo o tipo de violência, como a miséria, a negligência e o abandono paternos, o desemprego, as agressões domésticas, tanto físicas quanto psíquicas,

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a falta de atendimento básico de saúde, a educação deficiente, as drogas, o tráfico e a moradia insalubre em locais marcados pela criminalidade ou controlados pelo crime organizado, não condiz com o verdadeiro espírito do Hip-Hop. Agora, palestrar e dar oficinas estão na moda. Mas e depois, quando o projeto acaba? Aí eu pego o meu “cachê”, vou para casa e amanhã eu penso em um novo projeto! Claro, projetos sociais nestes dias estão dando dinheiro! É lamentável! Eu sei que existem vários projetos bons acontecendo, mas outros, infelizmente são realizados só por oportunistas. Será que conseguiremos resolver os problemas só com palestras e oficinas? Na minha sincera opinião, não devemos ser “Hip-hopistas”. O Hip-Hop é uma das várias ferramentas culturais que devemos usar, “sem preconceito” com outras formas de cultura, na transformação social. A literatura é uma delas, por exmplo. Não podemos ficar só na eterna discussão, temos que ter mais atitude. Então, surge mais uma pergunta: Será que já freqüentaram um verdadeiro “baile” de periferia? Aliás, coisa rara nestes dias de violência gratuita, em que nem o verdadeiro Rap Nacional encontra mais forças para reverter esse quadro. Culpa de quem? Culpa daqueles que ficaram anos só pensando em seus próprios egos, em subir no palco e vender disco, mas não em passar alguma informação. Alguma vez ajudaram algum grupo a mostrar seu trabalho? Deram chance à nova geração em vez de só criticar os novos, sem perceber o que já ficou para trás? O pior é colocar a culpa em todos, e não olhar para o seu próprio umbigo. Hip-Hop agora é dos “Intelectuais”. Quase toda semana me ligam de alguma universidade para fazer uma entrevista, ou para falar do movimento. São alunos universitários fazendo teses, mestrados sobre o Hip-Hop. Até ouvi gente falando que se formou em Rap. Isso é ridiculo! Rap veio das Ruas! Você não estuda Rap, mas vive o Rap, respira o Hip-Hop. Muitas perguntas foram feitas para a nossa reflexão, mas a principal pergunta é você quem deve responder: O que é Hip-Hop pra você?

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Dono de uma personalidade ideológica muito forte, Du-Bod vem para acrescentar seu estilo ao universo musical. Com letras inteligentes, envolventes e bem elaboradas, faz parte da nova escola, e mostra que tem potencial. Original do Hip-Hop/Rap, vindo das ruas da Zona Norte da cidade de São Paulo, iniciou sua carreira musical passando por diversas experiências em outros grupos. Depois de ter ficado no anonimato por alguns anos, resolveu então voltar às atividades e arquitetar seu próprio projeto. Em 2006 começou a desenvolver um trabalho solo. Interpreta bem suas ideologias e sentimentos nas músicas, criando o seu próprio estilo, adotando uma mistura de diversos gêneros musicais que estão no seu CD “DO HIP-HOP SOU”.

contatos: (55) 11 2203.7837/ 8407.8486 e-mail: du_bodrapper@hotmail.com acesse: www.myspace.com/dubod www.boddohiphopsou.blogspot.com


Raio-X do País Pesadelo, É saber que estamos às margens Somos nós uma parte Do futuro da humanidade O povo vive se iludindo E quanto mais eu ando Mais me sinto submisso Oprimido e menosprezado A realidade é que eu sou discriminado. Desabafo, não adianta A gente briga, briga, briga E acaba tudo em samba A nossa gente encanta Nasce na corda bamba Sonha pra caramba Quando acorda cai da cama Se alimenta de esperanças Quer sair da boca do inferno Este é o reflexo Deste nosso mundo moderno Espero que por aqui Um melhor dia venha E que tudo que pra nós prometem Não termine virando lenda Fome, miséria, pobreza e violência São fatos e não boatos Apenas algumas das crises intensas Pro lado mais fraco Sempre a corda arrebenta Assim, nascemos e crescemos Colhendo as migalhas plantadas pelo sistema

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A diferença, é como um filtro d’água com duas torneiras Uma grande e uma pequena A pequena, enche uma caneca grande, E a grande, enche uma caneca pequena A caneca pequena, de água tá cheia E a classe rica a representa Quem representa a outra é a maioria A caneca grande está vazia O resultado é a panela Sem nenhum pingo de comida Na mesa, não tem nem o pão de cada dia. Tá faltando há muito tempo Saúde, emprego, educação e moradia. Tá faltando uma vida digna Ou você não sabia? É ser contra a cidadania Deixar o povo no esgoto Esse é o Brasil! Um país de tolos Quem é de dentro, fica com a casca Quem é de fora, fica com o miolo Se não entendeu Te explico tudo de novo É pouco para muitos E muito para poucos Eles comem a carne E a gente rói o osso.

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Será que eu estou louco Ou estou alucinado?! No país do desemprego Sonhando com um salário Jornal debaixo do braço Enfrentando a fila com uns trocentos “Sem qualificação” Venho escutando isso, há muito tempo. E desde pequeno Você é iludido pela TV A moda agora é rebolar E se assimilar ao cine privê E vem o demônio engravatado dizendo que o culpado é você. Então, o que fazer? O jeito é se unir e ir pra rua A cada eleição, entra até as putas, e nada muda A vida continua Sou mais um pobre brasileiro Da Silva, sou da selva Sou guerreiro Reivindicando meus direitos Como qualquer cidadão Usando e abusando Da liberdade de expressão Tenho muita munição A bala é a fala e tem poder Quando a mente se rebela Faz até o chão tremer

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Denunciando a miséria Que eu vejo por aqui Se uma língua incendeia uma cidade Pus fogo no país. E de nada adianta Se a gente não se unir Falo por milhões Mas, nem cem param pra ouvir Infelizmente é assim. O pobre, da flor tá com o espinho. Vendendo o almoço pra comprar a janta. Matando cachorro a grito E muito pouco fazem os políticos Só tampam o sol com a peneira Essa é a imagem brasileira A marca da incompetência Mobilizando a consciência Vou fazendo esse protesto Nessa guerra eu ando armado Com uma caneta e um papel de caderno.

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BILINGÜE OK, eu sei não sou Superman nem também, tô no filme de bang-bang entre Bush e Hussein sou mais fã do Frankstein ou do mágico Mister M Ouço sempre o meu walkman curto mesmo é Wu-Tang-Clan Tupac e Marvin Gaye Porém, não tenho Vídeo Game apenas uma Home Page na Internet acesse... www.com.br Chopp tem na Oktoberfest sem jogar confete pau no... dos Skinheads, aqui é black! não uso dread, mas sou style dá um close no meu naipe Que designer! na mão eu tô com o mic de calça jeans e nike. sem merchandise só fazendo um freestyle pelas ruas da cidade, à la carte strike, kamikaze ou nocaute no primeiro round faça um check-up disk pra um chat entre num site e fique on-line Mas cuidado! sou um hacker, tipo um alien grande como um iceberg enquanto tentam fazer o meu clone Eu só vou tirando xerox, batendo records!

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Um best seller alcançando status (sai debaixo!) Até o Mike Tyson se ajoelha quando eu passo (eu tô ligado!) Lá vem os paparazzi com os flashes Só sendo expert pra se livrar do click-cleck. Entro num flat, e me escondo no toillet Líder como Malcolm X eu sou o chef, e não o ‘step’. Tô no topo do everest esperando o S.O.S vir me trazer um cash pra comer no self-service Nunca fui fã de Big Mac sou pobre, só como Hot-Dog Depois de uns cinco ou seis vou direto para os boxes fazer um pit-stop Quase morro de overdose mas passei no anti-doping, após ter feito a poli. Melhorei, tomei um engov no rolê eu fui pro shopping junto com uns brother O segurança de walkie talkie só fitando eu, achando que era um do rock Oh! my God! Vê se pode será que virei pop? dá um look na performance Eu sou do Hip-Hop não preciso de ibope muito menos tá no top pra dizer: Esse é o meu hobbie Eu só faço por sport

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Ao contrário, tento a sorte defendo o Rap até a morte tipo Batman e Robin Com a fúria de Belfort, e o objetivo de um jockey Batendo forte como no boxe este sou eu, DU-BOD Aperte o play e veja o Making Of DJs e MCs jogam juntos no Dream Team Dou um drible no Car System afundei seu titanic Jogue a toalha no ring e me dá a champagne que eu vou brindar eu não sou Popstar sei que o Rap é o meu habitat. se quer mais, é só pedir bis mulher pode vir, que é free Deixa eu ver sua lingerie vou te levar pro drive-in Entre no meu tuning car com direito a Open Bar Tirei férias num spa e paguei tudo com ticket Entrei até num show vip parecia o Fashion Week Não! não! não! Tava mais pra uma casa de swing várias delas de biquini, imitando a tal de Büdchen Outra também, toda chic com roupas de boutique, fazendo streep-tease

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Me senti em Miami Beach tomando um drink, sem stress admirando um topless, ao lado do meu chevrolet No volante um chauffeur que me leva pra onde eu quiser que nem delivery express A torcida grita olé! Dou um ballet e fujo da blitz ligeiro como speed Tenho o dom, comprei o kit por sedex cursei speak english pra poder ser baby-sitter Ganhar muito dinheiro e depois gravar um clip Tá no script, eu já disse parece até que vi esse filme vou ensinar a personal trainer como é que se faz fittness Fica ligado no link, que não vai passar reprise aumente o pitch desse beat com glamour, faço um release Nunca confunda underground com black music Faço um mix, não é um hitz pra tocar na night Hoje tô light, só tomando “refri” diet Comprei uma bike, antes fiz o test drive peguei o spray, criei um slogan e fiz meu marketing Made in Brazil, com z de zoado Que maldade, sem piedade invadiram nossa cultura só nos restou saudade

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Luiz Carlos Dumontt é ator e diretor de Teatro e Cinema, Produtor Cultural e um dos coordenadores do Movimento Enraizados e do MHHOB – Movimento Hip-Hop Organizado Brasileiro. Seu primeiro contato com a linguagem artística foi com o teatro amador, no Centro Espírita que freqüentava. Nessa época, entrou para a Companhia Encena de Teatro e abandonou a faculdade de Matemática, onde também cantava no coral (baixo). Superou a gagueira, a timidez e muitos preconceitos, graças ao contato com as artes da periferia, principalmente o teatro do absurdo, surrealista e o teatro de rua. Autodidata, tentou outra faculdade, dessa vez a de Cinema, mas não completou por falta de recursos financeiros. Não desistiu. Uniuse ao Movimento Enraizados em 2005 trazendo consigo a Cia. Encena, atual administradora da Rede Enraizados, que ajudou a fundar junto com DMA – Dudu de Morro Agudo, inaugurada aos 13 de Dezembro de 2005 na 1ª Conferência Nacional de Cultura em Brasília, e ganhadora da 2ª Edição do Prêmio Cultura Viva. Acostumado com roteiros, tem uma forma bem peculiar de escrever: seco, sarcástico, áspero, por vezes cômico, mas contundente. Prefere falar dos sentimentos de seus personagens com imagens e sons ambientes, do que com palavras. Atualmente dedica seu tempo à produção cultural, ao estudo da língua inglesa (Brasas English Course) e Administração (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro). Acredita que a periferia tem que tomar posse das melhores ferramentas de educação possíveis, para mudar o jogo da vida e virar a roda da fortuna a seu favor, pois somente com acesso a capacitação de qualidade, pode-se alcançar o sucesso profissional.


O ANTI-HERÓI Pelado. Filho de José, neto de Felizardo. É um simples rapaz que vive com seu pai adotivo, Wonanguê de Xangô, Babalorixá. Morador da Favela do Sinistro, na Baixada Fluminense, mais uma esquecida região tipicamente brasileira. Lugar daquelas pessoas “que não desistem nunca”, principalmente de permanecerem vivas. Apesar da pútrida política do branqueamento, empobrecimento e massacre...amento. Bíbíbí, bóbóbó. Papai que virou, e pá e bola. Pelado passou a viver com Wonanguê depois da chacina que vitimou seus pais em uma daquelas madrugadas frias e sombrias do gueto. É nas sombras que crescem os sobreviventes. Seu pai adotivo lhe prestou um bom serviço paterno: Deu-lhe casa, comida e amor incondicional. Instruiu-lhe nas melhores escolas, apesar de sua rebeldia. Pelado, ou melhor, Antônio Carlos. Menino vivo e inteligente, aprendia rápido tudo o que via pela frente. Parecia incógnito às mazelas que aconteciam a seu redor. Desde a molecada que cresce sem futuro aparente, aos que fazem sucesso com as minas pela coragem de entrar para o crime. Tudo parece perfeito, a Faculdade Federal já é certa. De resultado na mão, vai para casa dar as boas novas ao pai Wonanguê. Mas as peças do quebra-cabeças da vida ainda estão se encaixando. Noite de sexta-feira. O toque do atabaque revela que a noite é de festa de Exu. Pelado passa em frente a um boteco de esquina, próximo ao centro de seu padrasto, quando ouve uma voz que lhe remete ao passado, um passado que ele lutou muito pra esquecer. Seu coração acelera como nunca antes, um zumbido no ouvido. Os tambores tocam ao longe. Fica pálido, boca seca. Seus olhos avermelham, suas carnes tremem. Hora sente frio, hora calor, e um arrepio constante na nuca. Uma presença sombria ocupa o lugar de mentor em seu imaginário. Uma voz vinda do interior de suas vísceras fala baixo, seco, áspero e certo: “É ele”. Pelado reluta, a voz permanece falando. Em meio a outras vozes, aquela lhe chama a atenção. Aquele timbre lhe é bem conhecido, soa como um estalo mental, doloroso e incômodo em sua memória juvenil. Pelado relembra sua infância há 14 anos. Sua casa, seus pais, seu irmão dormindo. Quando de repente, os grilos se calam. Cachorros latindo, vozes ásperas. Portas e janelas sendo crivadas de balas de vários calibres. José, seu pai, corre para pegar seu irmãozinho no berço. É alvejado com o filho no colo. Sua mãe grita, Pelado cai da cama. Homens arrombam a porta. Nu e apavorado, Pelado se arrasta

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e se espreme em um canto embaixo da cama, na quina entre as duas paredes, em que a cama está encostada. Os homens entram no quarto e atiram em Maria, sua mãe. Pelado, embaixo da cama, não mexe um músculo. O barraco não tem luz elétrica. Uma voz de contentamento, um revólver com cabo de madrepérola na mão de um deles. Parece o líder. Manda vasculhar a casa em busca de mais alguém que por acaso tivesse sobrevivido. Pelado se espreme. Franzino, pequeno, sete anos de idade. Nesse momento, lembra das encarnações dos colegas na rua. Fecha os olhos na tentativa de esconder-se na sombra de sua negritude. Esconde os dentes, só não consegue calar seu coração. Desmaia de pavor. Acorda no dia seguinte sob a tutela de Wonanguê, que o esconde em seu terreiro, entre altares e pertences de sua religião. Cresce protegido pelo filho de Xangô, como filho amado. No domínio do rei do trovão e senhor das letras. É protegido e instruído no caminho do conhecimento e da superação. Tudo vai bem, até aquele momento. O cenário está preparado e Pelado continua andando em direção ao bando. Já de frente para o falastrão, agora ouve nitidamente aquela voz visceral que não pára de afirmar: “É ele, é ele o desgraçado”. O homem pergunta o que ele quer. Pelado não fala nada. Um outro homem diz: “É o filho do velho Wonanguê”. Todos riem. O homem diz então: “O que tu quer, garoto? Preto ou branco?”. Novos risos. Pelado não mexe um músculo. O homem olha bem para Pelado e diz que, apesar de ter estado preso por mais de dez anos, não deixava de reconhecer em um homem o gosto amargo da vingança de sangue na boca. E pergunta: “Alguém te ferrou e você quer vingança, quer ser soldado. É isso?”. Pelado não esboça uma reação. O Homem saca a sua arma da cintura. Pelado a olha e reconhece a peça de madrepérola incrustada em seu cabo. O homem dá a arma para Pelado e diz: “Pois então, se é isso que quer, prove que merece entrar para o meu bando”. Os atabaques se calam. A festa de Exu na casa de Xangô é invadida por um estampido de tiros que vem da esquina. Será apenas mais um, entre os vários que se escutam durante a noite? (...)

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A GÊNESIS No princípio, criou Deus, Santa Maria E soprou em suas velas, tomado de euforia O sopro homicida E lançou a nau-vegar o mar da vida Mas viu santa Maria que todos, ao seu redor Tinham companhia, não queria andar mais só E passou a reclamar; Pediu Deus: Uma e outra costela, Ainda em alto mar, E pôs Pita e Nina diante dela. Mas a cara-vela, de saúde, andava mal Pois sofrera de uma doença chamada de Cabral. Que descobriu um paraíso e se encheu de glória E é aí que começa a nossa história. Escrita a sangue na memória, Misturando iates e cruzeiros Com dólares e navios negreiros. Nas tábuas busanfudas das branquelas, Passavam-se roupas e mucamas à cabidela; E do gueto da senzala, Construímos a favela. O que deixamos de herança? Tempestade, não bonança, Um sistema de exclusão Pró-etnia negra na alça de mira de um caixão Pra que em gritos televisivos de uma classe média libertária, Estampir lamúrias em nossos ouvidos Por uma migalha de uma cota universitária.

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Levi de Souza, conhecido como Fuzzil, integrante do grupo de Rap “Os Guerreiroz” e morador do Capão Redondo. Desde 1985 está em contato com a boa música, influenciado pela irmã mais velha, que adora Samba e Jazz. A paixão pela música negra o fez se identificar com Tim Maia, Jorge Ben, Sandra de Sá, James Brown, entre outros artistas do gênero. Freqüentando os bailes organizados pelas grandes equipes de som de São Paulo, ele acabou estreitando o seu envolvimento com a Black Music, chegando a tocar, em 1990, na equipe Dance Mix. Fundou em 1991 o grupo “Armas do Rap”, e em 1996 participou da coletânea “União Rap Club vol. 7”, destacando-se com a música “Mundo Ruim”. Participou da 2ª edição do jornal “Tá Ligado”, com a poesia “Moradores de Rua” (2003) e do“Concurso Desperte o Poeta” (2004). Desenvolveu oficinas de poesia e fanzine com crianças na Associação Evangélica Beneficente e na Fundação Cafu. Recebeu o prêmio da Cooperifa em 2006 e 2007 e no mesmo ano lançou seu livro de poesias “Um Presente Para o Gueto”, e também foi indicado ao prêmio Hutúz, na categoria “Hip-Hop Ciência e Conhecimento”.


Fita Dada A fita fora dada. Fernando não imaginava que iria ter tanta gente no local; percebi que ele estava um tanto nervoso e disse: – Mano, relaxa, fica de boa que vai dar tudo certo. O lance é o seguinte parceiro: você vai ficar perto do Buzo; quando for a sua vez de entrar, chega com tudo e arrebenta. Não esquente a cabeça, fique ‘a pampa’, pois o bagulho vai ser ‘mil grau’, você vai tirar de letra e depois vai ouvir os fortes comentários. O movimento dentro do ambiente aumentava cada vez mais, apesar da noite fria e da garoa. Fernando foi ficando um pouco mais calmo. Tá certo que eu também estava meio nervoso, Deus me livre se algo desse errado, mas fiquei de boa para não atrapalhar. As pessoas se movimentavam de um lado para o outro, uns com agenda, outros com bolsas. Avistei uma garota ruiva com um livro na mão. Robson estava de canto, só observando. O meu celular tocou. – Alô! – Salve rapaz, firmeza! – Salve, quem tá falando? – É o Wton, truta! Aê, sangue, tá tudo no pente? O Gilberto vai colar com o Fuzzil e já é. – Tá certo, tô no aguardo. Fernando tinha bolado o plano no mês passado, e teve a idéia de me chamar para participar. No começo, fiquei meio sem jeito. Na verdade não queria me envolver, mas conheço o cara a ‘miliano’, e pelo fato de ser um grande amigo, resolvi chegar junto com ele. Todos estavam na expectativa, lembro-me de ter tomado um copo de vinho para ficar na disposição, e perguntei se ele tinha comentado com mais alguém. – Que louco, olha só o tanto de gente no bagulho, disse Fernando. Vinte horas em ponto, tudo começa. Fernando foi o terceiro a entrar em cena, Tiago fora o primeiro. Com um papel em umas das mãos, percebi seu nervosismo. No início até pensei que iria dar errado, nessas horas a gente pensa mil fitas. Dona Maria, de 60 anos de idade, quase teve um infarto, não imaginava que seria pega de surpresa. Assim que Tiago entrou, na sequência veio o Robson. Ninguém dentro do ambiente notou que o mesmo estava envolvido no esquema. Robson saiu do canto e no sapatinho, não disse sequer uma só palavra. Atento, ele espera a hora certa para agir.

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Fernando mandou bem, estava ao lado do Buzo quando ouviu gritarem pelo seu nome. Ele correu para o meio do povo e, como se tivesse se transformado em um bicho feroz, chegou com tudo na fúria e disparou rajadas. Rajadas de palavras na cabeça das pessoas. Tudo esquematizado. Depois de uma belíssima interpretação e de ter sido bem aclamado, ele disse: - Este poema dedico à Dona Maria, uma guerreira da periferia! Outras pessoas também recitaram, e o sarau ocorreu de uma forma cabulosa. Gente bonita, música e poesia.

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OS

MENINOS

SÃO

CRIANÇAS

Os meninos estão crescendo, estão virando homens Estão se matando, matando outros homens Os meninos estão crescendo, estão se perdendo no tempo Estão se drogando nas ruas Os meninos estão morrendo Os meninos são crianças, muitos não tiveram infância Brincam com armas de fogo e matam outras crianças Os meninos são raivosos, estão cheios de ódio E o pior de tudo é saber que são filhos nossos Os meninos estão crescendo, estão se matando aos poucos São milhares e milhares espalhados por todos os cantos Os meninos estão crescendo, não sabem o que estão fazendo Vejo muitos no mundo da lua, vejo muitos meninos morrendo!

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Negando o lugar que queriam para mim, nasci no ano de 1979, filho de um projeto individual de minha mãe, que aos olhos de sua família era um horror e absoluta loucura: mãe solteira. Nessa ruptura familiar se iniciou minha trajetória. Vivi nos bairros Cobi de Baixo e Cobi de Cima (periferia do município de Vila Velha), no bairro Vasco da Gama (Cariacica), geralmente em becos, perto ou sobre mangue, em barracos. Nesses bairros qualificados como perigosos e pobres, aprendi as diferenças sociais e inúmeros preconceitos direcionados aos moradores de periferia, principalmente aqueles mais pobres e negros. Sobrevivi do esforço dos trabalhos de manicure e das faxinas. Mas passei na Escola Federal do Espírito Santo sem fazer curso pré-técnico, somente estudando em casa. Foi a grande inversão da minha vida. Tal fato afirmava a vitória de minha mãe, porque mesmo morando num bairro supostamente pensado como fabrica de marginais, eu não me transformei em marginal. Em 2001, entrei na UFES, curso de História, e comecei trabalhar como professor de História, designado temporário na Secretaria Estadual de Educação. Estudando e trabalhando passei num mestrado na UFRJ, o que mais uma vez produziu reações como a dita acima: “Minha nossa, esse nego é metido. Não sei para que isso”. No mestrado aprofundei os estudos sobre estigma territorial e seus impactos sobre a vida cotidiana dos moradores da periferia da Grande Vitória. Hoje tenho também me dedicado a participar ativamente na produção escrita, politizar os dilemas da vida na periferia e protestar contra os preconceitos, discriminações e racismos desferidos contras as populações urbanas dos territórios pobres e periféricos. A vida de nós negros, pobres e filhos de trabalhadores, é cotidianamente negar aos papéis que previamente são imaginados e pensados, pelas elites e classes médias, como naturalmente nossos. É nisso que tem se constituído minha vida: negar o lugar que querem para mim.


Racismo em Cena Racializar as relações sociais é trazer, para o plano da consciência social, a diferenciação social dissimulada pelos discursos da democracia racial e da convivência pacífica brasileira. A idéia de que somos um povo mestiço domina as nossas cabeças, entretanto, nos faz esquecer que os negros ainda existem e estão submetidos a toda sorte de preconceitos e racismo. Certo dia fui à Zona Sul do Rio de Janeiro, na casa de uma amiga. Chegando à rua, dirigi-me ao prédio que procurava; perguntei ao porteiro pelo número 602 e ele ficou meia hora tentando me dizer que ali não havia aquele número. “Mas minha amiga disse que era neste prédio”, eu lhe falei. Novamente, ele ficou olhando-me tortamente e de cara feia. Fiquei revoltado, pois percebi o que estava acontecendo, que para ele deveria ser um procedimento natural. Ele deveria estar pensando: “Esse cara está querendo alguma coisa!”. Naquela tensão, novamente falei: “Quero ir ao apartamento 602, por favor!” Entretanto, ele só confirmou que minha colega morava ali depois de eu dizer firmemente: “É na casa da Marcela, meu senhor!”. Ele respondeu: “Ah, espere um pouco!”. Aí, logo ele providenciou: ligou para a minha colega e mandou que eu entrasse. Quando já estava perto do elevador, eu disse, em tom irônico: “Acho que os senhores não estão acostumados a receber negros neste prédio”. Surpreendentemente, confirmando o que eu já tinha sentido, que se tratava de preconceito racial, do estigma negromarginal-pobre, ele rebateu dizendo: “Não, meu senhor, é uma questão de segurança”. E ainda acrescentou: “Aqui temos moradores mais escuros do que o senhor”. O mais assustador é que o porteiro era nordestino, daqueles preconceituosamente chamados no Rio de Janeiro de “paraíbas”. Entendia o que estava acontecendo naquela interação social, e me feria profundamente. Sabia que foi devido à minha condição de negro que recebi aquele tratamento diferenciado na portaria. Como negro, não poderia dizer somente o número do apartamento, para que depois a dona do apartamento perguntasse quem era, para depois permitir a entrada. Nada disso. Como negro deveria dizer minha coordenada, tinha que provar que não era aquela imaginada pelo porteiro: “entrar para assaltar”. Todavia, quantos amigos e amigas negras já não agüentam mais ficar explicando e justificando que não são marginais, que têm os mesmos direitos, principalmente aqueles,

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cujas características fenótipas não são reconhecidas no mundo da estética, como os dos negros consumíveis de mercado. Esse tipo de experiência social, cuja ferida nos dilacera, e que o direito objetivo não consegue reconhecer e as instituições republicanas não dão conta de resolver, potencializa diversos tipos de revoltas sociais, seja pela pura violência, seja na ação coletiva. Imprime, diariamente nos corpos dos negros, a vivência da negação do direito a ir e vir. Os negros não têm direito a flanar, e quando o fazem, são imediatamente abordados com a seguinte pergunta: “Tá fazendo o que aí?”. A possibilidade de dar voz e de tornar essa questão explícita, abriu espaço para partilhar nossos dramas, e alcançarmos uma nova natureza nas relações sociais no Brasil. O tabu dessa temática fez muitos intelectuais e escritores tratá-la nas entrelinhas de seus textos (como Machado de Assis), fez nossos pais e ancestrais viverem-na no silêncio de seus corações. Hoje, cada vez mais saímos das entrelinhas para as linhas, talvez seja este um dos motivos de tantos protestos contra as políticas de cotas, pois estas conferem aos negros a possibilidade de falar sobre si, mais do que se apropriarem das profissões e dos recursos materiais e simbólicos que permitem construir um outro discurso sobre a nossa história brasileira. Na realidade, a política de cotas é a síntese da luta dos negros e das negras por um lugar de fala na sociedade brasileira. Formando em historia pela UFES. Mestrando em Planejamento Urbano e Regional -IPPUR\UFRJ. 1

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O Abismo O mundo nos proclama senhores, O dia-a-dia só se faz dores O sol se põe envermelhecido no fechar da tarde, As máscaras que nos cobrem, se enchem de vaidade. O sonho se aquece nas centelhas do desespero Não há nada que se possa construir por inteiro A vida é um sorriso despreparado, que se abre no vazio O Fim nunca chega, pois é sempre desvario O destino, se existe, se esqueceu de avisar que o perigo corre de par com o sonhar Os pés, onde estão? Na solidão Desnudaram o mundo e continuamos encapados Dizem glórias, mas só plantaram decepção Como é certo, só tem espaço para os incorporados

O Desespero A lembrança ardeu A memória se perdeu A história se esqueceu O passado se ocultou Quem sou eu?!!!

Desânimo Olho a Terra, Só há guerra Vejo o chão, Só há paixão Olho armas, Continuo na solidão

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Jonílson Montalvão é fotógrafo e escritor nas horas vagas. Dono do “Sebo Mutante” há mais de 10 anos no Itaim Paulista, partcicpa pela primeira vez de um livro. Antes publicou em fanzines, em blogs e no especial “Caros Amigos/Literatura Marginal - Volumes II e III”.


Encontro às Avessas Num dia ensolarado, caminho pensativo. A mente é a grande condicionadora do tempo. A alameda é a única que talvez possa me seguir neste dia, ou seria o contrário? Não sei. Quanto mais penso, mais vejo que não há poréns, soluções infindáveis que a vida tende a reciclar. Parece que essa conspiração me diz como eu sou tão minúsculo. Sou resto de estrelas, num universo muito mais que difuso: Confuso. Há certas coisas na vida que não entendemos, só filosofias e metáforas não explicam tudo. Não tenho muita coisa, não faço questão de possuir nada, mas queria ver meu filho. Às vezes dá uma sensação inexplicável, essas coisas da vida, uma repressão danada de pensamentos. A arte é apenas uma simulação da existência, sem ela, não existo. Continuo a produção, sei que não terão fins. A arte... Os limites que nos colocam, os rótulos que recebemos enquanto fazedores de alguma coisa. Simples seria não pensar, não ruminar teorias absurdas. Relembro um poema de Alberto Caeiro que neste instante me fala muito: “Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois / Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada / E que para de onde veio, volta depois / Quase à noitinha pela mesma estrada / Eu não tinha que ter esperanças - tinha só que ter rodas...”. Enquanto a mente trata de buscar o poema, a boca vai se abrindo ao som, numa quase declamação. Ruminações. Alguns percebem que estou falando sozinho. Não pode falar sozinho, te julgam como maluco, insano. Aliás, não pode nada! Não pode andar com roupas velhas, não pode chorar, não pode gritar, não pode, não pode... Cansaço. Essa sociedade me cansa, me maltrata. Mas tenho minhas saídas. Quase nada resta do planeta. Ontém, li que a Amazônia poderá até vir a entrar num processo de savanização. O que estamos fazendo com a Terra? Nossa mãe, nosso lar. Destruindo tudo; a cada dia destruímos tudo. Ferozes na arruinação. Exterminadores, é isso o que somos? A manhã linda de sol, um dia de verão. Essa alameda poderia ser na periferia, ruas com árvores poderiam existir na periferia. Ali quase nada sobrou. Casas e mais casas, rios tapados com concreto, a dignidade por um fio. Mas esse local não me aconchega tanto quanto lá. A individualização dos protótipos aqui é tamanha, talvez lá também seja. Eu é que não quero ver isso, prefiro ouvir música. Cretino dos infernos. Manhã de sol com música: Coltrane, Miles Davis, Renato Braz. Que sensação de prazer estranha, parece que nem isso podemos ter mais. Um crime, virou um crime ser feliz. Vida tacanha, pensamentos tacanhos. Mas quem sou eu para julgar qualquer coisa? Sou nada?

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É, coisas que ruminam. A próxima rua já é o Centro: limites. Outras dinâmicas. Andar já faz parte da minha situação, prezo pelas pernas. Ando para todo lugar, qualquer lugar. Manhã de verão com vento no rosto. Hoje estou um pouco sisudo. Talvez seja essa ansiedade com esse encontro. Uma garota. Não uma simples e qualquer garota, uma especial; acho que todas são, mas essa é de um charme distinto. Inteligente ao extremo, criança mestiça no mais puro e aterrorizante senso de liquidar qualquer homem. Um olhar melado na cor, sorriso que lhe deixa perturbado nos sonhos da conquista: pataxó. Penso nela e me vejo tentando ser, a todo custo, sempre inteligente. Todos temos nossos dias de espontaneidade, posso muito bem saltar obstáculos. Sorrio da miséria. Grande metrópole, encontros às avessas. Tantas coisas para se dizer. Penso em beijos, lábios morenos. Construções sorrateiras, efêmeras. Grande metrópole ocasional. Misérias humanas a tornar a cidade habitada. Rumino. Penso. Ando. Só embrião, no asfalto quente e eterno da palidez cinza em que nos transformamos. Preciso de café. Ainda não vi aquele prédio que me disseram que ficava por aqui e tem um estilo neoclássico, rococó, gótico... Grande merda tudo isso, construções opressoras que tapam nossa visão do horizonte e ainda temos que admirar concreto. Foda-se tudo isso! Uma grande confusão essa cidade. Mas nossos encontros são tão sublimes! Espero ansioso por esse momento. Desde quando estive no mar, não a vejo. Penso no corpo da menina mestiça. Tomar um café sentado. Dizem que o café de coador é o melhor, só o da minha mãe é bom. Hoje quero um expresso: puro e bem cremoso. Coisa boa, néctar, tudo relativo. Parar num grande centro é autodomínio. Andar sem pressa enquanto todos correm. Para quê? Depois esgota a atuação produtiva. Cartazes, sinais, letreiros, luminosos. Quanto lixo! Praças repletas de desgosto, tudo se vende. Cinemas na memória, ocupações nervosas, crises, caminhantes, carros, putas. Estou em câmera lenta. Slow Motion. Reflito melhor depois que fumo. Sintonizo o olhar e percorro extensões: Cores, sons, ruídos, explosões dimensionais. Quero ver um documentário mais tarde, agora, quero entrar num sebo, tocar livros. Procurar detalhadamente, percorrer cada prateleira e folhear livro por livro, tal Borges em sua biblioteca. Caminhar sem pretensões, sem obrigação de chegar a lugar nenhum. Eis-me absoluto no tempo, espaço sagrado de meus ancestrais. Meu sangue divide a explosão da lembrança com o rancor da revolta contra a barbárie de uma

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conquista subjugada a povos sagazes. Pagaremos todos por isso. Caminhar. Não pensar em pensar já é um ato, fato. Menina da minha volúpia, não volteio. Sou voluntarioso demais para isso. Penso na carne, mas também nas demais possibilidades que temos. Num encontro, há demasiada atmosfera para tudo. Beijos, seduções, olhares, insinuações, toques, flertes. Rumino demais antes do acontecido, ansioso. Talvez seja a cafeína correndo no corpo. Muitas drogas que não queremos e tomamos assim mesmo. Motivos? Quem saberá? Nunca temos bons motivos para fazer nada. Simples é ser destituído. Quem é? O tempo escorre pelas sensações. O sol quase escondido numa janela de um prédio alto. Arranha-céu. Olhar a atuação teatral da humanidade é risível. Circos espalhados pelos cantos. Basta observar um pouco mais. A sensação é quem manda. Irrealidade constante na vivência de cada um. Cabelos negros escorridos. Como a mente é irregular! Ou serei eu? Como será que ela estará vestida? Talvez uma saia, um chinelo simples deixando à mostra os pés caboclos e trigueiros. Unhas sem tinta, que sutilmente prolongam os pés. Caminhar é se estender ao mundo, é sentir a vibração da vida, mesmo ela estando em decadência. Pulsar contínuo; explorar todas as possibilidades da beleza que ainda nos resta. Contatos com o outro. Primazias da existência humana. Dignidade a pontapés. Saber-se limitado e não dar por isso reações anormais. Andar devagar, sem pressa e sorrir, como a canção. Nabokov tardio. Sobrepujar os hipócritas que determinam que o mundo deveria ser do jeito deles. Alice no País da Hipocrisia. O mundo é diversificado, não há restrições a seguir. Causar celeumas é um tanto oblíquo. Alguns reacionários temem tanto a diferença. Matam, extirpam a livre vontade; reduzem a naturalidade. Violência disfarçada de moral. Vão à merda todos! Neoinquisidores. Não quero pensar nessas desconexões. Quero reter o tempo num momento de extrema felicidade. Sentir tudo, perceber pelos sentidos. Despir-me de preconceitos tolos, alcançar a inexatidão como se mergulha num rio de águas límpidas. A nitidez da primeira paixão. O primoroso da vida é esse momento: Se expandir para fora do próprio ego, deixar-se levar pelo movimento contínuo, sem queixas nem tampouco absurdos da memória. Não há idades, não há diferenças. Só aquilo que queremos e desejamos. Num átimo de tempo, a sensação de fluidez é uma agitação corporal de bem-estar. O silabário finda e só temos o silêncio refletindo os mais dos dizeres que não são ditos e que talvez nem precisem. Caminhos que são romperes, dizeres. Tudo que se diz: Olá, Oi. Abraços. Carinhos. Contra-dizeres. Fatos.

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Um cuidado enleado. A mão é exposta, revelada ao toque. Insinuações comportamentais. Tantos pensamentos em poucos instantes. A dimensão em que me encontro... Proponho rompimentos, sagrado e profano na fala dela. Como o outro enxerga a gente? Minha fala é uma, a vontade é outra. Olho iluminado, olhar desejoso. Tento não querer, mas como? São essas atribuições que jogamos... A mente traça os paralelos do desejar. São situações que poderiam ser normais. Atos. Qualidade imprevisível da vida. O que é a vida? Jogos de vontade. Momentos que aspiro. Sentidos pulsantes, extravagantes. Qual é o fato da memória que conspira tanto assim? Na incerteza, corda bamba; equilibrista único, ando. As mãos que não sossegam. Me quer bem. Também te quero, menina mestiça. Corre para os meus braços. Te cuido. Ninfa, nímio. Te acalento. Tanto querer... Rumino. Tanto querer... O olhar seduz. Sem querer? Tantos trejeitos. Sutis? Esses que te arrasam, te calam. Musa. Sou tão arcaico assim perto... Conversas que fluem tão facilmente, sem restrições de diálogos, só aqueles que me sufocam. Mas aí sou eu na insegurança da moral, a moral que eu mesmo produzi. Um hinado nos ouvidos: Cartola, solenidade da voz. Penetra os poros e traz um contentamento à pequenez do viver. Momentos... A vida é dessa feitura, material incansável do espírito. Beleza é subjetiva? Talvez. Mas a dela é tão vivaz. Reponho o olhar, desvario total. Penetro teu olhar. Volto os olhos para as formas: pernas, mãos, braços, seios, pescoço, boca, olhos, cabelos. Então, sou comprazedor. Ouço o poema que ela lê para mim. Mário Quintana, Os degraus: “Não desças os degraus do sonho / Para não despertar os monstros / Não subas aos sotãos / onde os deuses, por trás das suas máscaras / Ocultam o próprio enigma / Não desças, não subas, fica / O mistério está é na tua vida! / E é um sonho louco este nosso mundo...” Reflito intimamente. Por que será que lemos um poema para outra pessoa? Queremos lhe falar por outros pensamentos? Gosto do poema, mas prefiro ler os meus, assim sou direto. Desfaço do olhar. Como desejo tudo. Enigmas? Quem é que se revela? Propostas de diversão. Mundo louco... Sou tão insano. Poderia ser pai dela. Que merda de pensamento. Medíocre, estou ficando medíocre. Não pensar já é um fato. Ato. Idades. Tempos. Gerações. Ridículo! Mas são pensamentos quase inevitáveis. Quase ilusões. Talvez sentir seja apenas uma ilusão. Quem sabe eu nem exista. Estou num mundo paralelo. Posso desejar tudo e não sofrer pelo fato de desejar. Quantas bobagens. Falo de saudades. Sorriso da mulher. Transformação da alma. É o que

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é e pronto. Mas criamos sentimentos; criamos ocasiões e situações. Há em tudo uma emoção. Não escondo, porém, disfarço, camuflo. Talvez à toa. Talvez. Nada se esconde por muito tempo. Desejos improváveis. Sou tão prolífico. Me perco. Digo que estou bem. Planos? Quem não os tem? Sou arraigado. Artes? Sobreviver é tão linear que não me vejo assim. Por tudo o que vem, o que não vem. Pretensões. Lógico que planejamos a vida. Sei da diferença entre coisas planejadas, mas mesmo assim, lá no íntimo, ainda assim, temos planos. Como fala!- de tudo - tão nova, às vezes. Sonhar, viver o sonho sonhado. Penso em tudo. Desprender de coisas. Não tenho nada. Ouço seus planos, seu futuro. Como podemos planejar algo tão incerto? Tão meiga. Como não pensar em atos? Ouço sua razão de voltar. Vontades. Não temos pressa. O tempo é subjetivo demais. Mas já é tão tarde pelo relógio. Quem se importa? Não temos pressa de nada. Quero um baseado, depois um café. Ela, um baseado e um vinho. Não bebo mais. Transfiguração do ser. Me vejo num espelho. Estou feliz. Demonstro. Ela sorri. Sempre sorri. A luz solar que finda é deslumbrante. Penetra pelas entradas e reflete nos olhos caramelos, quase verdes. Luz amarelada, assim a vemos. A cidade se acende. O corre-corre dos transeuntes é infindável. Exposições nos Centros Culturais. Conexões pela arte. Cafés, vinhos, baseados. Transmudar. Abraços. Saudades. Caminhar juntos, de mãos entrelaçadas. Excitação. Desejos. Desejar e sentir o desejo que foi desejado. Lembro de uma frase que Diadorim disse para Riobaldo: -”Riobaldo, hoje em dia eu nem sei o que sei, e, o que soubesse, deixei de saber o que sabia...” Não sei, não penso que sei, quero me esquecer e prosseguir. Renovado das saudades, das memórias. Momento que é já. Meu momento é já. Pensar é tão sublime. Isso é tão importante. Qualquer extremo da emoção. O extremo da minha vida é o da periferia que me opõe. Sentir, da forma mais plausível, é algo maravilhoso. Sentir e realizar os sentimentos desejáveis, realçar a explosão do desejar. Como gostaria de experimentos, volúpias. O resvalar das peles. Brandamente, suavemente. Toques. A rua se move, a cidade se move. Bares: afluências, algazarras. Sensíveis estalos dos sentidos. Cinema: visões moventes. Teatros: representações à flor da pele; efeitos da concordância dramática do ser. Máscaras do cotidiano. Circundantes ocasiões da vida. Lágrimas que somem nas sombras. Quem me dera atuar. Sou tão displicente. O que é o amor? Família é algo extremo. Minha mãe é o extremo da discordância. Pensar que conhecemos o outro. Filhos. Sou tão imérito. Casualidades da aflição. Avançar, no

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pensar, conter-se nas ações. Risível. Ouvidos atentos às frases. A mente realça outras possibilidades. Eu a ouço. Ímpeto da alegria jovial que me seduz. Transformo-me. Renovo-me. Cito frases feitas, poemas. Empolgo-me. Qualquer atitude é finita. Penso na idade. Sempre a razão: miséria humana do incondicional. Retratos e rogatórios da condição a que nos submetemos. Exalto suas características. Sublimo o singelo. Beleza ancestral. Todos somos Tupinambás. Sentir é rever. Somos a memória dos derrotados. Mas não há derrotas quando a olho. Não poderia haver derrotas quando há beleza assim. Sou tão caboclo: Carijó. A noite ganha a cidade. Ares mais frescos aos arredores. Somos projetos. Tanto falamos, tanto há ainda, para se falar. Assuntos intermináveis. Sorrisos sinceros. Ficaria assim por todo o tempo que fosse... Joguei tudo pro amanhecer. Amanhã eu sou outro. Mas o dia é finito. Serei outra vez qualquer coisa. Serei eu no cadafalso da memória. Recapitulo os dizeres. Estou alegre. Permanecer na rotina é qualquer coisa de questionável. Sei da rotina. Embaraços dos corpos. Menina. Quantos pudores enfrentamos para dizer o não dizível? Fico aqui; depois de passar pela euforia, permaneço sincero nos atos. Palavras são mistérios. Meu mundo é, hoje, uma garota encantada com olhos que me causam flebostasia. Palpito e caminho. Penso nas eternas comunhões que fazemos no decorrer de nossas existências. Soberbo pela ação do maravilhamento que condiciona o existir. O meu existir. São circunstâncias únicas. O Nirvana completo. Sentir é viver. O tempo é um ser? Meticulosidade do ser. Esmiuçar todas as possibilidades, todos os pormenores da ocasião. Efêmero é o pensar. Sempiterno é o pensar. Não há razões para nada acontecer. Tudo o que se diz é o extremo no pulsar da emoção. Sou emocional. Outros modos de estar próximo. Por mim, deixaria as coisas assim.

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Mandrake nasceu Willian de Souza Domingues, na cidade de Osasco, Grande São Paulo, SP. Ainda muito cedo, o jovem de família humilde descobriu que o Rap é sua grande paixão, que se tornou inspiração e profissão. Em 2002, fundou o Portal Rap Nacional (www.rapnacional.com.br), que é hoje o mais importante veículo de comunicação do Hip-Hop na Internet. O Portal tem mais de 18 mil visitas diárias, mantém parceria com as mais importantes empresas ligadas ao Hip-Hop e conta com o apoio dos grandes grupos de Rap nacional. O sucesso do Portal rendeu frutos e Mandrake fundou a TV (http://tv.rapnacional.com.br) e a Loja Rap Nacional (http://loja.rapnacional.com.br). E junto com o parceiro Moysés, deu inicio à Família Rap Nacional (http:// familia.rapnacional.com.br), que agrega grupos de vários estados. E a correria no Rap não pára por aí. Mandrake integra o grupo Hórus, que lançou em 2008 o álbum “Seqüela das Lágrimas de Sangue”. O álbum tem 18 faixas e participação de Dun Dun (Facção Central), Douglas (Realidade Cruel), Moysés, Paulo e Reinaldo (A286), Pregador Luo (Apocalipse 16), Rei (Cirurgia Moral), Erick 12 e Ton Carfi. Entre outras atividades desenvolvidas, Mandrake agencia grupos, organiza eventos, trabalha também como webdesigner, desenvolve capas e encartes, atualmente está se dedicando a gravação do disco solo e trabalha como Editor de Arte do Jornal Diário do Litoral, em Itajaí, SC. Há pouco tempo Mandrake descobriu que tem outro grande talento: o de ser pai. Pablo Mafra Domingues, seu filho e da jornalista Elaine Mafra, nasceu em dezembro de 2007. Desde então, Pablo tem sido sua grande fonte de alegria. Mandrake continua firme sua correria no Rap, para quem sabe, no futuro, Pablo possa encontrar um mundo com menos diferenças sociais e menos injustiças. (47) 3346-9120 - 9127-9232 mandr4ke@gmail.com


Não consigo mais viver sem Ela Eu a conheci em uma casa freqüentada por todo o tipo de gente. Quando entrei pela primeira vez, na esperança de por em dia meu atraso, muito tempo da minha vida já havia se passado. Muitos olhares me observavam. Não sei se era a minha roupa, minha inexperiência, ou meus 1,95 de altura que chamavam a atenção. Mas eu sentia como se comigo tivesse algo errado. Me senti muito mal. Mas logo me aconcheguei e fiquei mais calmo. Confesso, eu estava envergonhado. Tinha medo que algum conhecido me visse ali. Mas ninguém tem nada a ver com a minha vida. Não pega nada, eu queria mesmo era curtir a noitada. Eu sabia que ela estava lá. Já tinham até me falado para tomar cuidado, que ela mexe com a cabeça do cara. Dizem até que foi ela quem mudou a vida do Léo. Deu muito para ele, mas também tirou umas paradas. Por inocência ou ignorância minha, quando vi que envolvia dinheiro fiquei meio cabreiro. Eu estava gostando do clima, mas aquela fita me desanimou. Saí fora no desbaratino Nunca concordei com essas paradas que envolvem grana. Prometi para mim mesmo que lá eu não voltava mais. Por incrível que pareça, algo havia mudado em mim. Ainda no busão, voltando para casa, eu já me programava para a revanche. Eu precisava voltar àquele local! Queria ir com grana, para botar uma moral. Pô, dias e dias se passaram. E aquela estranha vontade de voltar passou. Achei até que eu a tivesse perdido. Gastei muito dinheiro, curti várias festas e chapei na madrugada. Mas uma noite, antes de subir no palco, exagerei na dose. Quando a vista escureceu, por incrível que pareça, foi ela quem me deu a mão. Fique assustado, nunca imaginei que ela estivesse também por aqui. No dia seguinte, um imenso vazio tomou conta de mim. Foi nesse momento que me lembrei daquele lugar onde eu a conheci. Me animei! Comentei com uns parceiros sobre ela. Eu até os convidei para colarem comigo, para fazermos uma zoeira. Mas de todos, a resposta foi negativa. Mil fitas inventaram. Uns disseram que era porque tinham mulher e filhos. Outros tentaram me convencer que esse não era o caminho.

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Mas eles não sabiam o que estão perdendo. Estava animado para voltar lá. Hoje estou com o bolso cheio. Vou impressionar. Já passava das 7 da noite. Eu tava bem ansioso e não queria me atrasar. Não estava saindo para ir cantar Rap, mas não é por isso que meu estilo ia mudar. Afinal, sou quem sou em qualquer lugar e a qualquer momento. Nike no pé, camisão xadrez, calça preta, cabeça raspada e uma jaqueta bege. Agora sim, estou me sentindo ótimo. Umas espirradas de perfume e estou pronto. Quando já estava a caminho, meu celular tocou. Era o meu parceiro Moysés. - E aí, Bruxo? Firmeza irmão? - Salve, Mandrake! Que horas você chega aqui no Grajaú para nós gravarmos aquelas cenas do clipe? -Pô, irmão. Vamos deixar para a próxima semana, pode ser? Hoje não estou no clima para isso, não. Nem lembrava e me programei para relaxar numa sintonia aqui de mil grau. Tu tá ligado qual que é, se pá... - Até imagino qual que é. Irmão, não se preocupa não. Eu entendo o seu lado. Aproveita bem, ‘tamo junto. - Falou, rapaz. Até. Quando desliguei o telefone, já estava atravessando a rua para chegar ao ponto de ônibus. Minha cabeça estava a mil. Eu só estava voltando lá porque ela me motivou. Mesmo que eu não queira, ela exerce poder sobre mim. Quando desci do busão, caminhei com passos acelerados por mais uns 10 minutos. Quando estava me aproximando, já podia ver as luzes acesas e ouvir a música que tocava lá dentro. Na porta, uma garota de uns 19 anos, com cabelos longos e lisos, sorriso largo no rosto, me deu as boas vindas. No palco, umas minas cantavam e dançavam uma música animada, até que um cara de terno e gravatá subiu e dominou o microfone. Ele falou um monte de coisas que eu nem lembro. Eu não estava muito concentrado, até o momento em que ele falou sobre ela. Parecia que ele estava falando para mim. Aos berros, ele apontava na minha direção e questionava se eu já a tinha. Mas eu não queria chamar a atenção, abaixei a cabeça e disfarcei. Ele continuou lá, falando por mais um tempo. Depois que ele desceu do palco, eu o procurei e falei que desde o dia em que a encontrei pela primeira vez, ela era a minha motivação de viver. E eu tinha voltado ali para agradecer. Quando a conheci, achei que ela não tivesse nada a ver comigo. Mas, naquela noite em que quase perdi a vida e ela estava ao meu

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lado, tive a certeza de que não podia mais viver longe dela. A partir daquele instante, por mais que eu quisesse fugir, ela iria me acompanhar. Ela me ajudou em várias fitas e a partir daí a vida começou a fazer sentido. Ela fez com que minha mãe contrariasse a previsão médica depois de ter um derrame cerebral. Por acreditar nela, mesmo tendo estado muito perto da morte, hoje minha mãe leva uma vida normal. Me ajudou a largar um monte de coisas que não eram pra mim. A tomar as decisões certas. Me deu a certeza de que eu poderia começar do zero. Me incentivou a viajar 600 Km para conhecer quem ainda faltava na minha vida. Graças a ela, depois de um tempo, a distância desapareceu. Ela me deu forças para correr atrás e colocar grana em casa. Como se não bastasse, ela me deu ânimo para finalizar o disco do Hórus, que era um sonho antigo. Mesmo trampando direto, era ela quem fazia com que eu tivesse tempo para atualizar a TV, a Loja e o Portal Rap Nacional, escrever para a Revista Rap Brasil e fazer as correrias de shows e do Hutúz. Mesmo com todas essas conquistas, ainda faltava algo em minha vida. Mais uma vez confiei nela e o teste de gravidez deu positivo. A Elaine, minha esposa, estava grávida! Ainda sem notar a transformação brusca pela qual minha vida estava passando, deixei a vida me levar, ou melhor, deixei-a me guiar. Ela amenizou a minha tristeza ao ter que me afastar das minhas correrias em São Paulo, viver distante daqueles que amo, principalmente meus pais, meu irmão, minha avó, meus amigos. A decisão não foi fácil, mas foi ela quem me mostrou que o meu futuro, do meu filho e da minha família, seria melhor dessa maneira. Comecei uma vida nova do zero. Tive que morar de favor e sair sem rumo para procurar emprego. Mas, em pouco tempo as coisas começaram a acontecer. Sem desacreditar em tudo que eu sabia que ela iria me dar, segui firme na caminhada. Hoje, meu filho Pablo está com 5 meses, lindo, forte e com saúde. Consegui um trabalho que me realiza profissionalmente, num importante veículo de comunicação de Santa Catarina. Tenho meu canto, minhas coisas, minha cachorra. Até um carro eu consegui comprar. Fiz novos amigos, mas jamais vou esquecer dos que estão em São Paulo e em outros estados.

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De uma coisa você pode ter certeza, não foi fácil. A vida é dura, e só acreditando nela consegui ter forças para seguir em frente e conquistar meus objetivos. Ela me ajudou e sei que pode ajudar você também. Pois ela, a Fé, não é uma ilusão. Nem uma metáfora. Ela é um fato absoluto.“Se tiveres fé, cumpre saber que tudo é possível àquele que a tem”. Ela me fez encontrar um sentindo para a minha vida. Afastou de mim coisas ruins e me mostrou um novo caminho. Agora, vivo em Santa Catarina, junto com minha esposa e meu filho. Mas continuo na ativa. Jamais vou deixar de lado o Rap, porque é algo em que eu acredito, está no sangue e está na pele.

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Revolução Através da Palavra É, eu continuo incomodando muita gente, Tô junto com o ladrão, o povo pobre e até o crente, Com o favelado, o preto, o branco e o indigente, A cada dia que passa eu fico mais potente. Estou em vários lugares, países, estados, cidades, Te acompanho em momentos tristes e de felicidade Luto pelo que eu acho certo, pela igualdade Denuncio a covardia e a patifaria contra nossas comunidades Tem quem bota uma fé, tem quem desacredita Mas o que importa é a auto-estima que levo para a periferia No meu ponto de vista, não preciso ser otimista para mostrar que no fim dá errado aquela fita. Admito que alguns já me entenderam errado, Mas são milhares os que já foram salvos Por prestar atenção no que prego e relato Hoje tenho orgulho de dizer que eu resgato Estou do lado do povo pobre, vitimado Do tio que se humilha por um trocado Do irmão que está cumprindo pena, exilado E que para sempre será ex-presidiário Utilizo em meus versos um rico vocabulário, Rimas, levadas e um instrumental macabro, DJ nos pratos, mas tudo isso seria em vão se fosse ficção A realidade que é minha inspiração O moleque no farol que pede ajuda O mendigo sem blusa dormindo na rua O ladrão no desespero da fuga A mãe jogando flores na sepultura

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A menina que é chamada de puta O bêbado que no bar tumultua O vapor com revolver na cintura Resumindo, com quem a vida é a dura Eu sou um veneno letal para o inconformismo, Marco no sangue e na pele, quem me segue a risca A semente plantada é o que mais cresce Ainda não sabe quem eu sou? Acesse: rapnacional.com.br

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MT Ton é integrante do grupo Realistas NPN, e faz aqui sua estréia como escritor. Lançou em 2007, junto com seu grupo, o álbum “Só prus Guerreiros”. Hoje a Posse NPN (Nós por Nós) administra a Cufa-BH.


Dois Irmãos Dois irmãos, duas historias bem diferentes Vindos de família pobre, porém decente Um deles com uma estranha, sublime Mulher, ferro, crack, uma vida no crime Dinheiro nunca falta, sempre na correria Um desses “malandrão”, que só entram em fria Ficha na polícia, sinistro, chacal Já foi até notícia e manchete de jornal A família ele escama, para ele, só ferro, pedra e grana “Se liga cumpadi, um dia apaga sua chama” Se tem medo? Nem sei se tem, nunca falou Desde os 13 tá nessa, com malícia e “dispô” Correria inadequada pros pivetes da quebrada Diferente do outro irmão, que está sempre na batalha Cuida da família, estuda e trabalha Não possui muita coisa, só uma carteira assinada, Barraco na favela e uma noiva apaixonada Curte Jorge Ben, Cruzeiro e Racionais Sugura as dificuldades da vida pra ser o orgulho dos pais Não entra em treta, está sempre na moral - Segura seus BOs não dá mole Exemplo do morro, seu estilo é outro Nada de ferro e soco É, mas a mãe em casa sofre, não entende o porquê disso Acha que está pagando pecado ou feitiço. Hã? Nada disso O mesmo sangue corre em suas veias, mesma família, mesma criação “Por que tem que ser assim?”, ela pergunta Se é má companhia ? Influência da TV? A resposta ela não tem, mas a vitima ela prevê Todo dia, toda tarde e toda noite é igual Tá sempre cheirado, seu presente anda mal Seu futuro tá embaçado na bola de cristal

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Uma cela na cidade de Contagem, sem mulher e nem moral É, a vida do crime sempre foi muito curta O rango da pior, o chão da cela molhado Os parentes longe, o sol nasce quadrado Mas se é isso que ele quer, escolheu sua sentença Do outro lado do muro vai ver a diferença Já com o outro irmão, a história se inverte Se formou no colégio, está ralando na creche O mundo do crime nunca lhe fascinou Nem a droga e nem a bebida nunca lhe pegou De tudo que ele quis, conquistou a maioria Uma vida humilde, respeito da mulher e da filha Para o sistema, a estatística somou tudo errado No número dos vencedores, constou um favelado A mãe em casa feliz, o orgulho no peito Metade do coração resiste, o sofrimento por inteiro Cara ou coroa, sangue ou vinho Dois irmãos, diferenças, e um no canto sozinho No peito do bom, uma coisa lhe falta E pela felicidade da mãe Trocaria tudo só para ter o irmão de volta

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Um pouco de mim. Nasci em Minas, numa cidade mínima, que até há bem pouco não constava no mapa. Mudei-me para o Rio ainda bebê. Cresci no subúrbio, pegando trem, estudando e sonhando. Foi o subúrbio, o trem de Deodoro, as ruas de Marechal Hermes, que me deram "régua e compasso". Morei em Brasília, ouvi rock, graduei-me em Letras e fiz mestrado em Literatura. Agora ando pelas ruas da Bahia, minha atual paragem, tentando saber de onde sou. Não sou de lugar nenhum, diria um titã, enquanto outro nos diz: "inclassificáves". Escrevo para estancar a hemorragia.


Presa no Cartão Postal o vento, o pôr-do-sol, o calor, nada anima a mulher. Ela persegue insegura um corrimão para se agarrar, mas nada parece sólido. Mudar de cidade, mudar de caminho,de chefe, tudo parece um imenso desafio, um mar a ser desbravado. Refugia-se freqüentemente no vazio, na solidão do quarto, em banhos intermináveis, em busca de um feixe que a encaminhe, um cheiro que a identique. A Salvador-casa não a faz sonhar. Ao contrário, o mar, o vento, o pôr-do-sol, tudo lhe parece uma repetição medonha de férias intermináveis, como se estivesse aprisionada em uma paisagem. Reclamar de uma cidade assim é quase uma heresia. “Você vai adorar salvador, é o melhor lugar do mundo, o povo é ótimo”. Mas e se essa felicidade que beira a insanidade irrita? Se não há motivo algum para pular e rebolar? Se é assim, toda exposição a esse tipo de felicidade desesperada pode ser a corda que falta ao enforcado. Afundada em um livro sobre a travessia de escravos africanos para o Brasil, a mulher tenta escapar da luz branca que penetra em seu quarto e instala-se na parede em frente a cama, quase cegando. Talvez fechar cortinas, acender as luzes, ligar o ventilador, quem sabe assim ela escape do exterior. O navio continua o percurso em direção a novas terras, as ondas batem, no porão o cheiro podre daquela gente, enquanto no comando da nau o mesmo cheiro podre de outra gente. A senhora quer a salada agora? Não, sirva o almoço. Como eram tristes os tempos da escravidão. Onde estava Deus naqueles anos tenebrosos? A comida está salgada, gordurosa, precisamos cuidar muito bem da saúde. A diáspora, a diáspora. não foram como os judeus. Entra no carro, liga o ar, fecha os vidros de seu corsário e vai, como uma bucaneira, protegendo-se dessa gente. Ir para o trabalho tem sido muito difícil para ela. não entende as pessoas, não se faz entender, fica isolada, não sabe para onde devem ir suas mãos. Então, escolheu a Av. do Contorno para ser seu caminho. Já falaram de Dique do Tororó, mas pela contorno ela pode ver o mar, como se navegasse em direção à tempestade. Também tem a vantagem de passar pelo comércio, ver o Mercado Modelo, às vezes uns seres exóticos, e é isso que eles vendem, exibindo-se para turistas estranhos, sempre muito brancos, com suas sandálias e meias.

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É possível ver também garis que descansam sob árvores. Mendigos de toda espécie, além de deformados, mulambentos, meninos magrelos fazendo piruetas no sinal. Aqui, bem longe do axé, ela passeia incólume. Ela tem permanecido quieta. Todo o tempo confronta-se com suas idéias e textos, todos equivocados, tateando na escuridão que lhe foi imposta, nas incertezas que agora a tornam mais viva. O cinismo tem vencido sua tendência para as boas causas. Nada lhe inspira compaixão. A secura do ventre, a secura da alma, torna-a mais virulenta. Sua doença tem sido a certeza de que desconhece tudo e de que deveria, de alguma maneira, deixar de existir. Não, o suicídio não é a única maneira de se extinguir uma vida. Há muitas outras, mais eficientes. O suicídio, inclusive, daria a ela certa eternidade. sempre existe alguém, dramático, ou o centro do mundo, que vai trazer seu nome, em momento inapropriado, no meio de uma conversa informal, em tom fúnebre, entre uma taça e outra de vinho, daqui a vinte anos: “Enforcou-se”, ou, “Atirou-se do Elevador Lacerda, um horror, caixão fechado”, ou “Tomou soda cáustica”. Isso a celebraria, causaria comoção entre alguns poucos amigos e inimigos. inexistir é mais que deixar de respirar. É preciso um fim mais contundente, porque só assim ela julga que enfim conhecerá a verdade sobre o que vê e não se atreve mais a escrever. As janelas se abriram. Olhou para o fragmento de mar assim, emoldurado por dois altíssimos prédios, desses que disputam de qual é possível ser mais dono da paisagem. Torre de Babel. Sobra ao seu olhar apenas aquela tela em forma de funil, cercando uma água que bem poderia ser uma lagoa, mas que ela sabe muito bem que é o mar, o mar de quem nele não pode navegar. Enfim ela abriu a janela, deixou a brisa abraçar-lhe as curvas do corpo pequeno coberto por uma camisola leve, de algodão, sem charme. Chega o dia em que ela permite que o sol entre sem cerimônia no quarto quase vazio. As cortinas se debatem e, às vezes, incomodam, mas ela segue sem rumo, parada, escorada no batente da janela, segurando com firmeza a parede que a sustenta. espera uma chuva que já desponta lá pelos lados da Pituba. Venta e logo o sol estará cinzento. Sonha que a chuva de lá seja capaz de molhá-la aqui. Observa a si mesma nesse momento de quase felicidade.

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A paisagem continua a mesma. Ainda que tente, e às vezes ela se esforça, tudo se parece com velhos cartões-postais, de imagens desgastadas. Agora, pelo menos, a mulher não procura na vista de seu apartamento a realidade que a torne viva. Não é mais lá, é cá. É por aqui que ela caça sentidos, nos objetos espalhados pela cama, nas fotos, nos colares comprados na empolgação de férias paradisíacas, no desenho tosco da casa de Cora Coralina, nos gibis de fundo de armário, na taça do primeiro vinho, do beijo bem dado, da boca faminta, do sapato vermelho. Anda sorrateiramente pela casa descobrindo o quanto deseja que todos os humores do corpo vertam hemorragicamente. Quer, e muito, toda cólica, todo pêlo que cresce, todo cheiro que exala, toda dor, quer-se inteira, matéria e fumaça. Ainda teme essa quase felicidade. Paga uma comida pra mim. Tô com fome. Não tenho dinheiro, desculpe. Afastou-se um pouco. Num quero dinheiro não. Quero comer. Tô com fome. Vamo alí. Você paga um real, tem almoço e suco. Um real? Um real, é baratinho. Tá. Ela foi. Alguém tocou em seu braço, enquanto ela ia hipnotizada salvar da fome o pobre rapaz. Um toque leve e conhecido. Não vá. Olhou para a outra ponta da rua e um comerciante sinalizava que era golpe, ao lado de outro olhar preocupado que aparecia na porta do bar. Ela parou, deteve-se, não foi. Então me dá um real! Não tenho. Afastou-se apressada. É por isso que a gente tem é que tomá tudo dessas porras. Pôs o dedo em riste e soletrou: no meio do seu rabo. Ela foi tomada de muita raiva. Que insulto terrível para alguém que só queria ajudar, que agiu de boa-fé. Parada na Praça da Sé, aguardou angustiada o ônibus para a Graça. Bairro bom, tranqüilo. Que bom não ter vindo de carro! O que me esperava depois da esquina? Ele devia ter comparsas. Veja, ele sumiu. Era golpe. Ia me tirar até o último centavo. Afundada novamente em seu quarto, sofria envergonhada. Caí no golpe não por ambição, como é comum, mas por mesquinhez. Se fosse uma prato de dez eu não daria, mas um real não me faria falta. Sentiu o peso de sua culpa social, da sua incapacidade de partilhar, viu que isso era a realidade brasileira. Esmola sim, dividir não. Pensou que a história daria um bom conto. Abriu um vinho, lacrimejou e escreveu.

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Olha o Passarinho! Foto dos cavalos. Aqui. Assim, quando a gente chega logo vê. Vamos dormir ali, mais perto da parede. Fale baixo. Esse lado não é bom, bate sol. Bate sol nada, o sol só chega pela tarde, quando já estamos fora. Você se lembra da Marinalva? Ela morreu quando morava nessa rua. O povo tentou socorrer, mas não deu tempo. Também, essa gente só ajuda quando não tem mais jeito. Mas ela já estava velha demais, não tinha ninguém por ela, vivia por aí, bebia muito. Muito diferente de nós, eu tenho você e você me tem. Os cavalos não ficaram bem nesse lugar, muda pra cá, assim, como se fosse na cabeceira da cama. Ficou melhor. Nalva era de Itaberaba, lugar bom para abacaxi. Faz tanto tempo que não chupo abacaxi. Quando começa a encontrar abacaxi? Acho que é no final do ano. Muito doce... Eu gosto daqui, é mais arejado. A Barra é tão quente. Aqui é mais alto, refresca mais. Os prédios são mais bonitos, tem mais pessoas ricas. Morar aqui é muito bom. Será que ficaremos muito tempo, igual Nalva? Acho que não. Já vi gente olhando para nós de cara feia. Na Barra tem mais turista, prefiro eles. Num sei não, esse ambiente aqui é melhor. Mas não dá nada. Estamos nesse espaço por sorte, mas acho que não dura. Você sempre vê o lado ruim das coisas. Sou prático. Se eu tivesse filhos, ia criar eles nesse lugar. Graça!!!! Estou morando na Graça! Não é engraçado? Uma prima minha achou um lugar bom na Pituba, mas acho ali muito perigoso. Tem muitos marginais, fazem maldade. Olha a quantidade de árvores, bonito. A Pituba é mais quente. Mas está mais perto do mar. Aquele mar não presta nem tem turista. Você gosta de dicionário? Já tive um, mas não sei onde foi parar. Eu queria ter um dicionário para colocar do lado da cama, aí, todo dia eu lia uma palavra diferente antes de dormir. Ninguém me segurava, eu ia aprender todas as palavras. Sabia que eu sei escrever desde quando tinha uns oito anos? Aprendi rápido. Quando a gente tiver um dicionário, vou escrever nossa história, vou contar tudo. Me ajuda, pára de falar, vai acordar todo mundo. Cadê nosso cobertor? Tá na sacola. Você viu aquela mulher com o bebê? Que criança linda. Queria ter filhos, engravidar. Você ficou louco, rapaz. Como fala besteira! Eu não posso querer as coisas? Sonhar é permitido. Mas engravidar é impossível. Que nada, cada dia acontece uma coisa diferente no mundo. Jéferson tem peito e bunda de mulher, eu posso ter barriga e neném. Fica falando essas coisas que os crentes aparecem e expulsam o demônio do seu corpo novamente. Deus é mais!

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Nalva não sabia ler, mas fazia conta muito bem. Era bem espertinha. Lembra quando ela era nossa vizinha lá em Sussuarana? O melhor abará da Bahia. Quando não bebia. Que caruru! Perdeu tudo. Coitada. A gente não perdeu tudo, só aquele barraco. Aqui é bem melhor. Pronto, Antônio, venha deitar logo. Vou ficar agarradinho com você. Não, tá cedo ainda e eu não quero dar motivo pra aborrecimento. Mas logo eu dou uns beijos em você. Agora deite e se aquiete. Hoje não tomei banho. Não gosto de ficar sujo, não gosto de feder. Queria ter perfume, um pra cada dia. Um sabonete bom, creme pro cabelo... Aqui nessa farmácia devia ter tudo isso. Lá na nossa casa tudo ficava limpinho, eu, a casa, você. Mas aqui é melhor, vai ficar tudo bem. A vista é melhor. Lá na Barra o gringo perguntou meu nome e depois disse ‘belo Antônio’. Ele me achou bonito... Olha que já faltavam esses dois dentes. Nunca mais eu bebo muito, não quero apanhar de novo. Vá dormir, vá. Os gringos são esquisitos. Gostam de cada coisa... Ele ficava repetindo ‘belo Antônio’ e rindo, rindo sem parar. Será que ele me levava lá pra fora? Diz que dá muito dinheiro ir pra esses lugares. Mariza me falou que Nalva já teve um gringo, que ele ficou doente e foi embora, aí Nalva endoidou. Coitada. Ainda bem que você não me deixa. Durma logo. Zé, será que a gente fica pelo menos uma semana? Queria tanto ver como é o domingo aqui. Acho que sim, eles não são de reclamar muito quando a gente não faz zoada. A farmácia acabou, a marquise tá livre, é só deixar o tempo passar. No domingo compro picolé pra você no jornaleiro do Largo da Graça. A gente senta no banquinho e fica olhando o domingo passar. Pode ser picolé da Kibon, se quiser. Prefiro o Capelinha de tapioca. Se eu tivesse uma vassoura varria essa calçada. Vou arranjar uma, tá bom? Agora durma e sossegue, logo cedo quero chegar na Barra. Lá tem gringo, lá tem sempre uma merreca. Zé, será que ficar nessa rua faz morrer? Não quero terminar igual Nalva, quero ver o domingo chegar. Tonho, fique calmo, você ainda demora para morrer. Olhe, tem até esse lençol mais novo, aproveite, amanhã alguém pode roubar. Durma, durma. Você gostou do quadro dos cavalos nesse lugar? Não, prefiro ficar olhando pra eles até dormir. Vou mudar, faz de conta que é nossa foto, esses dois cavalinhos apaixonados.

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Domingo desses levo você na Graça. A gente chega cedo, passeia pelas ruas bonitas, você pode olhar os prédios, eu nem vou ficar com pressa. Pode olhar o quanto quiser ou até alguém mandar a gente circular. Vou comprar um picolé e vamos fingir que nossa casa é ali. Vou arranjar umas roupas boas para nós dois. Domingo desses vou mandar tirar uma foto nossa igual a dos cavalinhos pra gente pendurar na melhor parede que aparecer. Domingo desses você volta com a Nalva, vai ter abará e você falando besteira.

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Raquel Almeida, 21 anos, nasceu em São Paulo - SP. Criada na Favela de Santa Terezinha, residiu lá desde que seus pais chegaram como imigrantes da Bahia, nos anos 80. É casada com Michel da Silva, backing vocal do grupo Alerta ao Sistema. Participou da Rádio Comunitária Urbanos FM, organiza o sarau Elo da Corrente e edita o blog Elo da Corrente - Cultura Periférica (www.elo-dacorrente.blogspot.com). Participou da antologia Cadernos Negros Vol. 30 (Quilombhoje, 2007), coautora da revista GRAP (VAI, 2008) e do livro Sarau Elo da Corrente - Prosa e Poesia Periférica (Elo da Corrente Edições, 2008).


Real Auto-estima e Poder “Baseado em Professores Reais” Maldita hora em que decidi entrar. Devia ter ficado na rua com meus amigos, ou então ter ido para casa descansar. Mas eu decidi tentar estudar, o problema é que não tenho mais paciência para escola, ainda mais quando é essa aula de História, a professora só sabe falar mal da gente, nunca dá uma palavra de incentivo. Eu até gosto da matéria, principalmente no ano passado, que era a professora Lúcia. Ela sempre debatia algum assunto com a gente, dava toda atenção quando alguém não entendia a matéria. Mesmo com esse desânimo, fui ao rumo da sala de aula. Como sempre, cumprimentei meus colegas, passei pela enorme poça de água no pátio e fui para a classe. A sala de frente está fechada, motivo: Tá alagada. Assim que a professora entrou na classe, o Cafu fez uma brincadeira: - Aí, professora! Quem tiver carteirinha vai poder nadar nessa piscina aí na frente? Logo a sala inteira caiu na gargalhada. - Silên... Calem a boca! – Gritou a professora irritada com a repercussão da piada - Gente, esse é um problema mesmo, é uma classe fechada, se bem que vocês não querem estudar, né? Mas vamos ao que interessa, eu vou passar um texto na lousa e depois umas perguntas para vocês responderem na próxima aula. Assim que a professora virou as costas, os meninos ligaram o celular mp3 na música “Da ponte pra cá”, dos Racionais. “Da hora” o som, mas logo a bruxa tesourou. - Quem está com essa música alta? O que é isso que vocês estão ouvindo? - Ah, professora! É os Racionais. Meu, deixa nóis ouvir enquanto cê escreve. – Pediu Cafu. - De jeito nenhum, desliga já! - Beleza ‘fessora. Aí Roger! Ô, Roger... Tá surdo? Cê viu o que aconteceu no sábado, no show dos Racionais lá na Sé? - Eu vi na televisão cara, aqueles filhos da puta dos policia foram lá acabar com o show, né? - É meu, eu tava lá, os caras chegaram igual no Carandiru, batendo em todo mundo, só via neguinho correndo, eu fui um deles.

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- Vacilão, devia ter ficad... - E essa conversa paralela aí? - De novo a professora queimando nosso filme. – Já que vocês querem conversar, então vamos conversar. Do que vocês estão falando? - Ah, ‘fessora! É do show dos Racionais, o da Virada Cultural, respondeu Cafu. - Ah, tá! Aquele que os bandidos quase acabaram com a cidade. - Não é bem assim, professora!, respondi, chateado pela opinião dela. - Qual é mesmo seu nome? - É Roger, por quê? - Roger, você viu as reportagens? Eles estavam todos drogados, esperando aquele show dos Racionais. Só foi eles subirem no palco que começou o vandalismo. - Vixe! Nada a ver ‘fessora. Eu estava lá, eu vi que só foi começar o show que a tropa de choque chegou quebrando tudo, interrompeu Cafu. - Acontece que os marginais sempre colocam a culpa nos policiais, eles estavam fazendo o trabalho deles pra evitar brigas, mortes, assaltos. Se a organização do show colocou bandido para cantar, eles tinham que colocar segurança! - Êi professora, tá tirando, hein? Os Racionais não “é” bandido não, os caras “é da hora”, “é pela ordem”, disse Cafu. -É, continua ouvindo esses caras que vocês vão longe, ironizou a professora – Vocês querem continuar, com o perdão da palavra, na “merda”. O Brasil não vai pra frente por causa de jovens como vocês, que não fazem nada, ficam o dia inteiro se drogando e ouvindo os Racionais, e depois vem pra escola sem querer estudar, só para trabalhadores como eu perder tempo! Aí a professora cutucou onça com vara curta. Meu sangue subiu, senti meu rosto pegar fogo. Já que ela quis desabafar suas mentiras, resolvi desabafar minhas verdades. - Ei, professora! O Brasil não vai para frente por causa de professores como você, preconceituosos e racistas. Você acha que só você é trabalhadora? Eu trabalho o dia inteiro, saio do trampo, venho direto para a escola para ouvir você me esculachar? Você não é ninguém! - Eu não sou racista! - Ah! Não é não? Você acabou de dizer que o Brasil não vai pra frente por causa da gente! “Nóis é” tudo preto, ‘fessora, preto mesmo “tá ligada”? E, além disso, é preconceituosa com o Rap.

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“É ISSO AÍ, VOCÊ NÃO PODE PARAR, ESPERAR O TEMPO RUIM VIR TE ABRAÇAR, ACREDITAR QUE SONHAR SEMPRE é PRECISO, É O QUE MANTÉM MEUS IRMÃOS VIVOS”. (Racionais MCs).

Você nunca ouviu os Racionais para falar dos caras, vai se informar professora. - Roger, né? Vem comigo! A professora ficou assustada, ela não imaginou que eu iria falar tudo isso. No mínimo ela pensou que eu iria abaixar minha cabeça e aceitar todas as mentiras que ela contou. Fui parar na diretoria. - Com licença, dona Joana. Olha, eu estava na sala e começamos a conversar, esse aluno ficou alterado. Eu fiquei com medo, pensei até que ele iria me agredir. Decidi trazê-lo para ver o que a senhora resolve. Não tem condições de continuar com esse aluno na classe, desabafou a professora. - Quantos anos você tem mocinho? – Perguntou a diretora. - Tenho vinte. - É já assume seus erros, não precisa chamar a mamãe. Na hora eu pensei em falar para dona Joana o que realmente aconteceu, só que logo vi que não resolveria nada, é outra preconceituosa. Mas a professora se superou, maldita mentirosa. - Como não foi um caso tão grave, você vai ficar suspenso por uma semana. Nesse período, reflita sobre o que você fez. Coloque em sua cabeça que professor é para respeitar, se não tiver de acordo não precisa vir mais, tá cheio de pessoas na lista de espera querendo estudar. Fui para a classe, catei meu caderno e saí da escola. No caminho fui pensando no que aconteceu. Na verdade, se eu não voltar a estudar é um alivio para eles, é mais um peão, preto, sem ensino médio completo. Cheguei no meu barraco e minha mãe perguntou por que eu tinha voltado mais cedo. Nem contei nada, não quis chateá-la, ela já anda nervosa por causa de um exame que tem que fazer e não tem vaga no hospital. Se eu ganhasse mais, pagaria um convênio pra minha coroa. Mas sem chance, tenho que assumir as contas de casa. Eu não vou entrar nas paradas erradas, jurei pra minha mãe quando meu irmão morreu. É pra você ver. Eu passo “mó” veneno e aquela professora vem dizer que eu não faço nada, que eu fico me drogando o dia inteiro. É isso que eles querem, que eu me torne mais um traficante, um ladrão pra concordar com as estatísticas. Mas a vida continua, e para não perder o costume liguei o som pra ouvir uma música e ver se essa zica sai fora. Pensei seriamente em não aparecer mais na escola. No som, aquela música: “A vida é um desafio”. Analisei a mensagem. Por um momento, não contive a emoção. Senti uma gota de lágrima cair. Quando o refrão tocou, voltei a ter esperança.

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Menina Princesa Ali, naquela viela Existe uma princesinha triste Ela está chorando Porque estão chamando seu cabelo de palha de aço. Ali, naquela viela A princesinha chora Por não querer ir pra escola Ela diz não ter amiguinhos E que a professora Sempre a deixa de castigo E ali, mais uma vez A princesinha vai chorar Ela pede a Deus Que lhe dê cabelos lisos, Olhos azuis e pele branca Seria igualzinha às “lindas princesas brancas” Dos contos de farsas Oh, menina princesa! Enxergo em você tanta beleza Seu cabelo trançado é realeza Sua pele cor da noite É linda, tenha certeza Seu sorriso é luz Contagia minha alma Seus olhos, que não são azuis Me transmitem calma Oh, menina princesa! Sim, você é princesinha Nossas histórias encantadas Foram apagadas Mas você relatará um dia

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Bela menina dos olhos de jaboticaba Não ligue para quem te faz chorar São pessoas que ainda não sabem Que somos realeza Menina negra De linda beleza Você sim É uma princesa.

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Deus determinou que o neto do Sr. Francisco Benedito, no futuro seria conhecido como Rappin Hood, o band leader do PosseMente Zulu, o primeiro rapper a participar do programa Ensaio, de Fernando Faro, e um dos fundadores do movimento Hip-Hop. Nascido no bairro do Limão, Zona Norte da cidade de São Paulo, este ‘sujeito homem’ vem de origem humilde. Teve uma infância simples, mas com a marca da dignidade. Nunca lhe faltou o carinho dos pais. As férias, Rappin passava em Araraquara, cidade natal de sua família no interior de São Paulo. Era levado pelas mãos da avó para ensaiar no coral da igreja e ser coroinha de missa. Uma vizinha o carregava para assistir o culto evangélico. Já o avô, o conduzia para os batuques de terreiro. Fora a missão ecumênica, Rappin ouvia muita música, jogava bola e comia chocolate. Aos 11 anos, já gostava de dançar; nessa época mudou-se para Vila Arapuá. Aos 13 anos, foi tocar corneta na fanfarra do colégio. O estilo de música que executava lá não o agradava muito, seu negócio era tocar música popular. Aos 14 anos passou a freqüentar os bailes e criar as primeiras letras de Rap. Um dia, em São Caetano do Sul, na Dino’s, ele subiu ao palco pela primeira vez para cantar um Rap em troca de meia dúzia de “doses”. A partir daí, ele nunca mais saiu dos palcos. Começou a freqüentar a estação São Bento do Metrô, point dos rappers. A batucada era feita nas latas de lixo que ficavam dentro da estação, e os cantores eram Thaíde e Mano Brown, entre outros. Todo sábado, Rappin era presença certa na São Bento. Muito tempo se passou, muita água rolou por baixo da ponte e Rappin Hood é hoje um dos principais nomes do HipHop nacional. Com dois albúns lançados, “Sujeito Homem” e “Sujeito Homem 2”, com participações de grandes nomes da música popular brasileira, como Leci Brandão, Jair Rodrigues, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Zélia Duncan, entre outros. Encontrou outros espaços; passou a apresentar todos os sábados, das 20h30 até meia-noite, o programa "Rap du Bom" na Rádio 105FM. Chegou mais longe ainda, e atualmente apresenta semanalmente o Programa “Manos e Minas” na TV Cultura. Esse é o Rappin Hood: - Se eu tô com microfone, é tudo no meu nome !!!! A partir deste livro, também na caneta e nos livros.


Bem-vindo a São João do Crime Era uma vez um lugar onde os homens faziam a sua lei, um povoado que nos lembrava os tempos longínquos de um faroeste tupiniquim, um tempo onde a lei que imperava era a chamada “lei da bala”. Esse lugar era chamado de São João do Crime. Crianças sem esperança e adultos sem expectativa. Tudo que acontecia por lá era muito parecido com o que acontece ainda hoje nas favelas, morros e periferias do Brasil. Maldonado era o homem mais temido do povoado, ninguém ousava denunciá-lo ou desagradá-lo, pois todos tinham medo dele e de seu bando. Seu grande desafeto, Negro Alcino, era uma espécie de Robin Hood. Um bandido, porém, chamado de “sangue bom” e muito querido por toda comunidade, e essa era a grande razão da raiva de Maldonado, pois ele invejava a popularidade de Alcino. Dona Maria, mãe de Alcino, era a cozinheira mais festejada do povoado. Todos diziam que festa sem os quitutes da “nega” não tinham a menor graça. Beto era um moleque tranqüilo, ia e voltava da escola do vilarejo sempre a cumprimentar a todos que encontrava pelo caminho. Mais tarde ele se tornará o maior parceiro de Negro Alcino na luta contra Maldonado. José Barra vivia a reunir todos em sua adega todo fim de tarde para conversar sobre os problemas da comunidade. Era como se ele fosse o presidente da associação dos moradores do vilarejo, pois gozava de grande prestígio e sua palavra era de grande valia em qualquer discussão. Num certo dia, apareceu por lá uma bela mulher com ar de madame, acompanhada de outras belas mulheres. Ela se chamava Josie, o amor da vida de Negro Alcino. Essas mulheres haviam alugado um pequeno salão no vilarejo, onde pretendiam montar um salão de cabeleireiras. Havia também na vila um senhor que passava os seus dias atrás de uma máquina de costura fazendo sapatos para todos, esse era o Sr. Nicola. O fazendeiro mais rico da região era conhecido pelo apelido de Sr. Trigo, mas seu nome de batismo era Galdêncio. Ele pagava para ter a proteção de Maldonado, pois tinha problemas com Negro Alcino por cobiçar Josie. Padre Nelson conduzia os trabalhos em sua paróquia, sempre com muito carinho e atenção. As crianças o adoravam e todas as senhoras do bairro o reverenciavam, ele era mesmo um iluminado. Já Maldonado, sempre que aparecia trazia com ele a confusão. Quando bebia, deixava a impressão de que estava pronto para atirar em qualquer um que não fizesse suas

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vontades ou que não cumprisse suas ordens, e era disso que José Barra tinha medo, por isso, guardava debaixo do balcão uma arma calibre 38. Às vezes ele também pensava em atirar, e o seu alvo era Maldonado. Negro Alcino vivia a cavalgar pelo pastos da região e às vezes levava o menino Beto à tiracolo. Ele queria aprender a montar para impressionar as meninas da região. Numa daquelas noites de bate-papo e bebedeira na adega de José Barra, Maldonado havia bebido muito e falado demais também, deixando escapar que Galdêncio havia tido uma relação com Josie na adolescência e que nunca a esquecera, por isso havia lhe pago para matar Negro Alcino. José Barra pediu para Maldonado que parasse com aquela conversa, disse que ele estava bêbado e que fosse descansar, pois já era tarde. Tudo acabou bem, pelo menos naquela noite. Dias depois, Josie, sempre muito sorridente, contava a todas as suas amigas do salão que estava de data marcada para se casar com Alcino. A notícia caiu como uma bomba no povoado, pois todos sabiam que Galdêncio não deixaria isso barato, sua má fama já vinha de longa data. Certa tarde, Maldonado apareceu por lá com cara de poucos amigos. Pediu um whisky, bebeu de uma só golada e saiu. O tempo ia fechar, pois ele vinha na missão de eliminar Negro Alcino. José Barra, ao perceber a situação, chamou Beto para uma conversa e revelou um fato até então desconhecido de todos. Maldonado era o assassino dos pais de Beto, que havia sido criado por uma tia, Dona Bia. O jovem Beto fica transtornado, jurou vingança e prometeu não deixar que Maldonado matasse Alcino. É nessa hora que José Barra lhe empresta a arma calibre 38. Beto saiu a mil e percebeu que Galdêncio estava do outro lado da rua, próximo a sapataria do Sr. Nicola. Ele vira a cabeça rapidamente a tempo de ver Josie entrar na frente de Alcino e tomar um tiro à queima-roupa, disparado pela arma de Maldonado. Nesse momento, Negro Alcino saca sua arma, mas toma um tiro pelas costas disparado por Galdêncio. Beto atira em Galdêncio e em seguida em Maldonado, que começa a correr, pois está ferido. Galdêncio está caído, olhando para Negro Alcino e Josie, abraçados e mortos em plena rua, de frente para a Praça da Matriz. Seria essa a vitória do amor ? Dias depois, Beto fica sabendo que Maldonado conseguira escapar descendo rio abaixo e escondendo-se em uma embarcação. Galdêncio havia sobrevivido e não iria ficar preso, porque tinha muito dinheiro e poderia comprar o veredito de qualquer juíz que fosse julgá-lo.

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A violência, a corrupção, o crime, as drogas e as armas, há muito tempo fazem parte do nosso cotidiano, e infelizmente, mortes como essas são fatos corriqueiros ainda hoje nas quebradas do nosso país, e é por isso que a nossa luta continua. A viagem está apenas começando, seja bem-vindo a São João do Crime!

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Trutty, nome artistico de Marcio Cezar, músico , arte-educador e instrumentista,aos 15 anos já intergrava a ala de compositores de escolas de samba. Teve sua 1º música gravada em 1997 no CD “Patrícia Liberato - na palma da mão” com o grupo Nossa Imagem, época em que fundou o grupo de samba Jeito Moleque. No ano de 2000, ao lado do primo Miguel Ribeiro e do amigo Fábio Rogério, formou o grupo de Rap Sapiny & Trutty, que tem sua musicalidade com base fundamentada em ritmos brasileiros, principalmente no samba. Juntos gravaram três CDs: Rasgando o Verbo, Há Vida e Direto do Gueto Em 2006, a música Alphaville, A favela, interpretada por Trutty e Nebo, foi lançada na coletânea russa Café Latino, abrindo as portas para o mercado internacional Em 2007, a mesma música foi lançada em sete CDs diferentes, espalhada em diversos países do mundo, entre eles EUA, Cuba, alguns países africanos e Japão. Neste ano, participou do documentário “Hip-Hop USA meets for Brazil”, ao lado do Digital Underground, o primeiro grupo de 2 Pac, um dos maiores astros do Hip-Hop Além da música, desde 2005 desenvolve trabalhos de cunho sócio-cultural na ONG Resistência Norte, e em uma das maiores confecções especializadas em Hip-Hop, da qual é um dos responsáveis pelo Marketing.


PÉS NO CHÃO Tem meninos de pés no chão Com carrinho de papelão Tem esgotos e ruas de terra Na terra da corrupção Tem meninos de pés no chão Na televisão em destaque Tem crianças viciadas em crack Na Febem Tem rebelião. Tem meninos loucos de cola Tem meninos fora da escola Nos faróis pedindo esmola Tem um jogo de contradição Tem Tem Tem Tem

a massa futebol, carnaval cachaça a vida pacata

Tem a novela sem graça Tem a praça E por onde se passa pra distrair Tem fumaça. Tem crime Traficantes, prostitutas Tem a policia corrupta Tem barracos cheios de gente Têm ratos, gatos, cachorros, enchente Têm indigentes abraçados a garrafas de aguardente. Tem Vidas destroçadas Famílias desestruturadas

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Tem Tem Tem Tem Tem Tem

trabalhadores marmitas amassadas desempregados, ex-presídiarios estelionatários, malandros e otários jogo, contravenção meninos de pés no chão.

Enquanto isso em Brasília A podridão cheira mal Descumprindo as próprias leis Tem homens de bem, que só fazem o mal Superiores e nobres Ignoram os pobres Arrombam os cofres Carregam malotes Armados, de terno e gravata Munidos, de caneta na mão Atiram, sem saber em quem Nem sabem que aqui Tem meninos de pés no chão.

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HOJE Hoje, Espremi o sentimento para poder compor Um gole de vinho esquentou Tirei a jaqueta Injuriado, coloquei o coração na ponta da caneta. Hoje, Sou relógio sem ponteiro perdido no tempo Sou rio De ódio, magoa e rancor E não encontro palavras para definir tanta dor. Hoje, Eu tô cansado, frustrado, irritado To irado com tudo E a minha insatisfação já não cabe no mundo Mesmo a maré tão baixa, se entrar no mar, afundo. Hoje, Eu não tô aquele vagabundo De falô, falô! Idéia com todo mundo Evito assunto e pra ser mais profundo. Hoje, Eu só queria uma praia deserta, Sentar na areia e olhar a onda quebrar No labirinto de vidro, só pensamentos vazios Perdidos e desgovernados no azul do mar Hoje, Queria vencer situações invencíveis Sentir o vento soprando, brisa batendo na cara Balançando na rede, esperando a noite chegar Escutando lamentos e depoimentos No canto sofrido de um sabiá... Hoje, O poeta tá triste Mesmo assim, não desiste Insiste, persiste Supera limites.

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Começou sua carreira como quadrinista e editor de revistas, colocando nas ruas, em 1999, a revista RAP Brasil pela Editora Escala. Com o crescimento do Hip-Hop, as histórias em quadrinhos foram ficando de lado. As revistas ganharam o Brasil e as publicações cresceram. Hoje Alexandre de Maio é editor da revista RAP News e Graffiti, pela Editora Escala, e da revista Cultura Hip-Hop, pela editora Minuano, também colabora com site Mypace, além de escrever para revistas e sites especializados na cultura de rua. Também tem sua produtora, a Dramatikos Filmes onde já fez vários vídeosclipes de Hip-Hop. O editor retomou sua carreira nos quadrinhos em 2006, ao lado do escritor Ferréz, no álbum “Os inimigos não mandam flores”, pela Ediora Pixel. E agora volta a publicar aqui, ao lado do grande letrista GOG, a HQ baseada na letra da música “O Amor venceu a Guerra”.

revistarapbrasil@hotmail.com



Com 25 anos de trabalho e militancia no Movimento Hip-Hop, GOG é considerado uma das grande vozes do Rap. Desde 1982, a história do rapper de Brasília se confunde com a própria história do Rap brasileiro. Além de sua carreira, Gog foi pioneiro montando a sua gravadora “Só Balanço”, que hoje trabalha com os grupos “A Família”, Lindomar 3L e Rapadura. O projeto, que começou em 1993, faz parte da trajetória do artista que, além de cantar, deu exemplos práticos de como podemos ser independentes no Brasil. Revolucionando ouvidos através da Literatura e da informação, o poeta é conhecido por ter letras com grande conteúdo ideológico e de grande qualidade musical. Recentemente, GOG gravou nos seguintes DVDs: “Acústico Lenine”, na MTV, Espaço Rap Festa e 100% Favela. Lançou também o disco ao vivo da gravação do seu DVD, que deverá sair em breve com partcipação de Maria Rita, Lenine e Gerson King Combo. Sua discografia começou em 1992, com o disco “Peso Pesado”. Depois, “Vamos pegá-los com nosso Raciocínio (1993), Dia-adia da Periferia (1994), Prepare-se (1996) Das trevas à Luz (1998) CPI da Favela (2000) Tarja Preta (2004) e Aviso às Gerações (2007). familiagog@yahoo.com.br


















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